25.9.11

Três ideias terríveis

Dormir como progressiva sensibilização do corpo, sim,
mas, simultaneamente, como forma supressiva do sujeito.

Portanto, não apenas dormir, 
mas dormir dialeticamente.


Como diz Alÿs: não mais utopias, mas fábulas.


O que nos resta: o fragmento.

15.9.11



Canteiro de obras

Meditar com pedantismo sobre a produção de objetos –– material ilustrado, brinquedos ou livros –– que devem servir às crianças é insensato. Desde o Iluminismo isto é uma das mais rançosas especulações dos pedagogos. A sua fixação pela psicologia impede-os de perceber que a Terra está repleta dos mais incomparáveis objetos da atenção e da ação das crianças. Objetos dos mais específicos. É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande. Dever-se-ia ter sempre em vista as normas desse pequeno mundo quando se deseja criar premeditadamente para crianças e não se prefere deixar que a própria atividade –– com tudo aquilo que é nela requisito e instrumento –– encontre por si mesma o caminho até elas.


The way things go, 1987, Peter Fischli e David Weiss
e trecho de Rua de mão única, 1926-28, Walter Benjamin

11.9.11

Dormir como progressiva sensibilização do corpo,
ativação de um modo desviado de percepção do mundo.


Tornar-se pouco a pouco capaz de não mais viver segundo 
um número reduzido de normas afetivas, que polarizam o 
corpo em alegrias ou tristezas obssessivas.

Ser cada vez mais capaz de formar imagens, e ideias dessas 
imagens, de tal sorte que fiquemos aptos a ser causa adequada 
dos encadeamentos de afecções corporais e das ideias que formamos.

–– Pascal Sévérac sobre Spinoza

9.9.11

Sobre a gênese da burrice

O símbolo da inteligência é a antena do caracol "com a visão tateante", graças à qual, a acreditar em Mefistófeles, ele é também capaz de cheirar. Diante de um obstáculo, a antena é imediatamente retirada para o abrigo protetor do corpo, ela se identifica de novo com o todo e só muito hesitantemente ousará sair de novo como um órgão independente. Se o perigo ainda estiver presente, ela desaparecerá de novo, e a distância até a repetição da tentativa aumentará. Em seus começos, a vida intelectual é infinitamente delicada. O sentido do caracol depende do músculo, e os músculos ficam frouxos quando se prejudica seu funcionamento. O corpo é paralisado pelo ferimento físico, o espírito pelo medo. Na origem, as duas coisas são inseparáveis.

Os animais mais evoluídos devem o que são à sua maior liberdade; sua existência mostra que, outrora, sua antenas foram dirigidas em novas direções e não foram retiradas. Cada uma de suas espécies é o monumento de inumeráveis outras espécies cuja tentativa de evoluir se frustrou desde o início; que sucumbiram ao medo tão logo uma de suas antenas se moveu na direção de sua evolução. A repressão das possibilidades pela resistência imediata na natureza ambiente prolongou-se interiormente, com o atrofiamento dos órgãos pelo medo. Cada olhar de curiosidade que o animal lança anuncia uma forma nova dos seres vivos que poderia surgir da espécie determinada a que pertence o ser individual. Não é apenas seu caráter determinado que o mantém sob a guarda de seu antigo ser; a força que vem de encontro a esse olhar é uma força cuja existência remonta a milhões de anos: foi ela que o fixou desde sempre em sua etapa evolutiva e impede, numa resistência sempre renovada, toda tentativa de ultrapassar essa etapa. Esse primeiro olhar tateante é sempre fácil de dobrar, ele tem por trás de si a boa vontade, a frágil esperança, mas nenhuma energia constante. Tendo sido definitivamente afugentado da direção que queria tomar, o animal torna-se tímido e burro.

A burrice é uma cicatriz. Ela pode se referir a um tipo de desempenho entre outros, ou a todos, práticos e intelectuais. Toda burrice parcial de uma pessoa designa um lugar em que o jogo dos músculos foi, em vez de favorecido, inibido no momento do despertar. Com a inibição, teve início a inútil repetição de tentativas desorganizadas e desajeitadas. As perguntas sem fim da criança já são sinais de uma dor secreta, de uma primeira questão para a qual não encontrou resposta e que não sabe formular corretamente. A repetição lembra em parte a vontade lúdica, por exemplo, do cão que salta sem parar em frente da porta que ainda não sabe abrir, para afinal desistir, quando o trinco está alto demais; em parte obedece a uma compulsão desesperada, por exemplo, quando o leão em sua jaula não pára de ir e vir, e o neurótico repete a reação de defesa, que já se mostrara inútil. Se as repetições já se reduziram na criança, ou se a inibição foi excessivamente brutal, a atenção pode se voltar numa outra direção, a criança ficou mais rica de experiências, como se diz, mas frequentemente, no lugar onde o desejo foi atingido, fica uma cicatriz imperceptível, um pequeno enrijecimento, onde a superfície ficou insensível. Essas cicatrizes constituem deformações. Elas podem criar caracteres, duros e incapazes, podem tornar as pessoas burras –– no sentido de uma manifestação de deficiência, da cegueira e da impotência, quando ficam apenas estagnadas, no sentido da maldade, da teimosia e do fanatismo, quando desenvolvem um câncer em seu interior. A violência sofrida transforma a boa vontade em má. E não apenas a pergunta proibida, mas também a condenação da imitação, do choro, da brincadeira arriscada, pode provocar essas cicatrizes. Como as espécies da série animal, assim também as etapas intelectuais no interior do gênero humano e até mesmo os pontos cegos no interior de um indivíduo designam as etapas em que a esperança se imobilizou e que são o testemunho petrificado do fato de que todo ser vivo se encontra sob uma força que o domina.

notas e esboços, Adorno/Horkheimer, 1944

7.9.11

o que há de tão belo neste mundo negativo?

a armadura ––
do gato e rato,
do animal-mãe que defende seu ninho,
da luta entre dois animais pela presa, pelos ossos ou pelo objeto de amor.

amortecimento gradual?


Os hábitos são formas petrificadas, irreconhecíveis, de nossa primeira felicidade e de nosso primeiro terror. É da brincadeira que nasce o hábito. Repetição? Benjamin, Benjamin...

6.9.11

Não poder. Vontade. Eu quero. Portanto é a velha carne afinal, não importa quão velha. Porque se a memória existe fora da carne, não será memória, pois não saberá do que se lembra, de forma que quando ela deixou de ser então metade da memória deixou de ser e se eu deixar de ser, toda a lembrança deixará de existir. Sim –– pensou ––, entre a dor e o nada, escolherei a dor.
Harry Wilbourne, em Palmeiras Selvagens, de William Faulkner, 1939

2.9.11

Não existe propriamente um repouso, se até o repouso é uma "vibração feliz" diz Bachelard em algum momento d'A dialética da duração.
Morrer devagarinho pode ser tão rápido quanto um atropelamento por cavalos. Ora, pois! não quereremos mais os tempos que não os nossos tempos, e se há algo que podemos fazer é domar nossas velocidades e assim alterar todos os pesos ao redor.