27.4.10


19. Esta é a tarde e a hora em que o sol doura a crista dos meus vales, e os que estão presentes se sentam para tomar o pastis vespertino e estudar o vôo das andorinhas que desenham suas obras perecíveis e perfeitas num céu impecável. Cinqüenta andorinhas disputando um grande buraco no espaço sobre nossas cabeças, alguma coisa as retém nessa área da qual só saem para tomar impulso e deixar-se cair com uma espécie de vertigem, de estremecida alegria; bruscos assobios ao voar baixo, como um jatinho miúdo que por um instante nos instala no rouxinol do imperador da China, instalação que Silva rejeita indignado porque não acredita em autômatos, e além do mais as andorinhas de verdade não parece excitá-lo muito. Anoitece e as últimas evoluções vão ficando mais raras, há um momento em que a esquadrilha parece ter se desvanecido no ar, não está mais lá, bastou um segundo de distração para se perder na vaga região onde faz ninho. Então, sem intervalo, vemos chegar voando uma coisa pequena e negra que se sacode desajeitadamente com vaivéns de bêbado, meu morcego titular que toda tarde a esta hora sai da velha árvore dos fundos da casa para voar rumo ao campo vizinho onde lhe atribuímos uma namorada ou uma provisão de mosquitos. O contraste é tão grande que rimos feito idiotas, como já disseram Huxley e Jesus, de gente assim será o reino dos céus.


trecho do Um de tantos dias de Saignon
em Último round
de Julio Cortázar
no 1969

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