23.2.08


Lera a fotopersonificação da tristeza feminina no meio de tantas páginas, antes apenas vista com a imaginação. Estava lá, pois, a conclusão impossível - que as curvas e esquinas duras das palavras escritas não permitiam - de sentir com sua mente pouco vivida. A imaginação não tinha limites e por isso os limites que as coisas encerravam eram fenomenais. Leria.






"'Quando você viverá você?' - estampado no pequeno bilhete de geladeira. 'Lembrar de esquecer' - tinta gasta no papel da cabeceira."









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3.2.08

Desconexia religiosa


Ele se auto-descrevia sem parar e cortava as palavras de modo que nunca completava o que era. Era tão desconexo que cada entrave tornava-o um novo começo. Mas havia - e ele sabia, por isso não se importava com coerências descritivas - algo sempre presente e isso podia ter diversos nomes. Sua única religião era a chuva, pois era a maior metafísica que já vira caindo por aí, não tinha sentido, muito menos tinha sentido coisas d'água serem espirituais. Talvez tudo que mantivesse essencialmente o mistério poderia ser considerado sagrado. Algo que não entendia e não o causava a vontade de entender, apenas acontecia de modo cômico que ninguém se perguntava mais. Era e todos eram juntos. Mistério sagrado, o segredinho da vizinhança. "Coisa": aquilo que abrangeria absolutamente tudo. Então não era de todo errado - apesar de nada específico - dizer que ele odiava e adorava as coisas. Não era de todo exato de modo que sua desconexia o tornava multifuncional, no qual tudo com ele não acabava. Era o mistério que continuava.

-Ó, deusa chuva, veio brincar mais uma vez de nos molhar?

E como pedradas de voz líquida, respondeu-lhe:

- sim-vamos-ser-sim-sim...

E continuou o mantra até o futebol na lama terminar e os ônibus embaçados de vapor humano corrigirem seus horários. As coisas acontecem, pensou ele em sua última auto-descrição incompleta.


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