30.6.11


É preciso calcular, em abstrato, no ar, os valores coloríficos na intenção sempre irresistível de 
restituir a realidade –– como se ela própria não fosse construída por valores igualmente aéreos.
O cálculo visa atingir a sensibilidade como que por uma pancada. O azul aqui deve ser vermelho ali.
Esse golpe torna, em alguma medida, a sensibilidade uma comoção pensante. Há algo de impuro
e impossível na mistura. Vejo, sim, eu me vejo vendo o vendo. Uma pancada. Uma, duas. Na testa.
Escorre algo sob pressão. O fluído de alguma engrenagem oculta. Retroalimentação.

25.6.11

There is another metaphor for this process of creating a structure which conveys, perhaps, something of the situation of the artist. He is very much like that classic figure of animated cartoons who ... is running along and, in complete concentration on his purpose-carried along, as it were, by the momentum of the act-runs right off the edge of a cliff without noticing it and continues running in mid-air until, looking down, he becomes aware of his unnatural situation, and in that moment, and because he perceives it as extraordinary and unnatural, is unable to sustain it, and falls.

So the artist, beginning in reality-in that which already exists- starts moving toward a vision, an Idea, and, with the cumulative momentum of that dedicated concentration, crosses the threshold from that which already exists into the void where, still moving forward, he creates a plane of earth where his foot has been, as the spider, spinning from his own guts, threads his ladders or highways through once empty space.

–– Maya Deren
Some Methaphors for the Creative Process

18.6.11

Hoje vi um desenho, e ele era incrível. Existia uma máquina com alavanca de liga e desliga para a imaginação. E era preciso desligá-la, pois só se conseguia imaginar coisas muito perigosas, como lava, facas e monstros. E eles ficam lá lutando contra essas coisas invisíveis em plena sala de estar. Estar. É de fato um desenho psicodélico, ele coloca silêncios e presença nas coisas e no fundo é esse o tema dele, a aventura, não é à toa que chama Hora de aventura. É um tempo pra isso e nada mais, e o melhor é que a aventura é meio que desprovida de lógica e por isso não tem muita finalidade. No momento "em que não há mais volta" (frase recorrente nas referências atuais) um deles diz –– Eu estava me divertindo com minha imaginação... e de repente tudo ficou intenso.

Talvez seja o primeiro desenho hippie que conheci, e que coloca o corpo dos seres no centro. Me faz lembrar das coisas que o Benjamin escreveu sobre desenhos animados, ou o Adorno, já não lembro mais, provavelmente este, quando diz que os desenhos que explodem, amassam, cortam, são algo como uma anestesia praquele que assiste, como se fizesse fluir um desejo subterrâneo de caos e violência. Nesse caso da imaginação, dos tempos mortos e do vazio (acho que até daria pra dizer antiespetacular, por mais infantil que soe, neste caso é perfeito) me parece que eles emulam outra coisa, talvez o ato de criação. Porque tudo parece possível, e já não existe expectativa em relação às coisas que eles fazem, pois as ações são sempre oblíquas (como o desvio no caminho por uma parede invisível), no limite do absurdo, "mas ainda assim" (outra recorrência) a criação dos gestos sempre carrega um peso da necessidade, ainda que injustificada. Uma coisa que reli no Aleph do Borges, porque estava grifado (o que torna esse tipo de frase uma recorrência em nossas vidas, pelo simples pinçar do grafite): Compreendi que o trabalho do poeta não estava na poesia; estava na invenção de razões para que a poesia fosse admirável.

Talvez seja nesse ponto que deva surgir a questão: isso tornou-se belo, isso tornou-se necessário. Não foi sempre assim, portanto também é uma invenção, juntamente com a obra.

Por que ativar a imaginação? Por que puxar a alavanca pra cima? 
(surge um botão de hiper atividade –– Eu tô imaginando uma porção de coisas)
Melhor ainda –– como destruir a alavanca? Imaginando-a destruída?
(eles tentam isso, mas –– Não consigo, minha imaginação é sinistra demais!)

 
Como imaginar o que nos é necessário? Como nos livrar da lava que nos derrete e aprisiona?
Ao que parece (recorrências...) é preciso chegar ao limite do real e do não-real, daquilo que ainda não se realizou, no devir das coisas, pra que elas comecem a ressurgir das cinzas, como uma fênix. Pé no paradoxo, o amor parece existir aí igualmente, entre a dor e o prazer, a questão de sempre: não vamos aceitar isso como natural, vamos criar novos modos de vida, novos modos de amar.


Hora de aventura, o episódio chama Sonho de dia chuvoso, que deve ter um pé lá em Shakespeare.

16.6.11


–– Ainda veremos o que não vemos.
–– Calma, calma, vá dormir.  
–– Viver o impensável. O impensável. 
–– Será trabalhoso refazer o mundo. O trabalho dos trabalhos.
–– Por isso toco seu rosto.
–– Sua mão? E esta?
–– Não existe a Mão das mãos, nem o Molde dos moldes. O que existe é seu rosto em minha mão, e o arrepio em minhas costas. Esta é a primeira nova lei que criamos juntos.
–– E este sono que me atravessa diante de sua face é a segunda.
–– A terceira e a quarta já aconteceram também.
–– A temperatura solar de meu dorso encontrando sua voz fora de mim.
–– Este pé frio que reclama novos caminhos.
–– É para este percurso de hibernação ativa que legislamos? Para este corte no real que já não apetece?
–– Uma explosão. E ninguém verá. Rios subterrâneos que moverão o grande bloco de gelo que chamamos modo de vida, até o primeiro estalo e a primeira vazão.

–– Vamos polir estas imagens. Vamos enraizá-las para que refaçam seu sentido, ao menos para nós compreendermos mais e mais a natureza deste sono que nos atravessa.
–– Calma, calma, quando amanhecer. Vá dormir, que tudo fluirá.

11.6.11

8.6.11

Olhar diretamente nas trevas, ao invés de constatar sua existência dando-lhe as costas. Falam como se as trevas fossem mais do que nós mesmos.

Bom presenciar essa vontade cega pela vida, pelo amor. Ecos de Romeu e Julieta. Convicção tão bela de se dar ao outro numa completa irresponsabilidade, fora do alcance do cinismo, como uma doença que lhe faz viver. Contaminação que não há volta. Só o que nos leva ao limite nos ensina a respeito de tudo que há dentro dele. Um parênteses vital.

O limite da vida é uma fábula real?

Vamos seguir, vamos seguir, independente dos riscos (tornar isso instintivo).

5.6.11


2) O NEUTRO COMO ESCÂNDALO

Não é difícil ver qual é o fundo dessas imagens ruins. Lembremos: historicamente, o espaço "oficial" do neutro é o ceticismo, ou discípulos de Pírron: zetéticos (estão sempre procurando), céticos (examinam sem encontrar), eféticos (suspendem o juízo), aporéticos (sempre incertos); portanto, sempre imagens de fracasso, impotência. > O Neutro sofre sob o peso (a sombra) da gramática: = o que não é masculino nem feminino, ou (verbos) o que não são ativos nem passivos (= depoentes) = o que está retirado da genitalidade, o que não é viril nem atraente (feminino); sabe-se, miticamente, endoxalmente, infâmia indelével > não nos cabe tomar partido contra essa imagem (ou então, é o curso inteiro que é essa oposição, não protestamos contra uma imagem, não adianta nada). O que se pode fazer é derivar, deslocando o paradigma. > no lugar da "virilidade" ou da carência de virilidade eu poria a vitalidade. Há uma vitalidade no Neutro: o Neutro brinca no fio da navalha: no querer-viver, mas fora do querer-agarrar > penso no final do poema de Pasolini já citado (Poesia in forma di rosa, Garzanti, 1964), capítulo V, IX:

"Deus meu, afinal que tem o senhor no ativo? –– Eu? (Um balbucio abominável, não tomei optalidon, treme a minha voz de menino doente.) Eu? Uma desesperada vitalidade."

["Dio mio, ma allora, cos'ha lei all'attivo? –– Io? (Um balbettio nefando, non ho presso l'optalidon, mi trema la voce di ragazzo malato.) Io? Una disperata vitalità."]


trecho acerca da figura Imagens do Neutro em O Neutro, de Roland Barthes