12.4.08

Sinal

Serei meramente descritivo. O ônibus freou por causa do sinal humano lá de fora que não tinha som, mas freou também pelo som menos humano da campainha aqui de dentro. A porta suspira duplamente um vento gostoso e poluído. Descem aqui. Subiram lá três patetas que eu ainda não os sabia serem patetas, mas sabia que eram três.

A nuca silenciosa e elegante da garota do banco da frente também percebera. De tão elegante foi natural ao olhar e desviar o olhar para a janela. Desenhara até então no seu bloco de notas artístico.

Os três, ainda não-patetas, vêm direto como uma bala para o fundo, nas últimas cadeiras lotadas e ficam de pé entre a nuca desenhista e eu. Eles falam alto, eles riem alto. Eles jogam um jogo desdivertido no qual só bobagens pulam e desagradam aos ouvidos do rush. hahahaHaHaHaHAHAHA. Sem nexo pra soar engraçado, risadas fáceis que riem quando não precisam rir, riem da imprecisão do todo.

Pronto, ela guardou o caderno, sabia que ela não havia de gostar (ou seria: não gostaria?). Elegância sexy, como uma linha (isso não deve ter o menor sentido), olhou pra fora como se dissesse que lá fora era melhor, seria melhor, mais poluído, mas melhor e sem três patetas, sim! agora já os sei, já os sabemos.

HahaHahaHA! Secos e desconexos (de novo, droga) e descontrolados. A vergonha encarnou na pessoa errada e dessa vez eu olho pra fora, caramba, lá fora é realmente melhor e mais poluído. Que vexame desses daqui.

O tempo amacia a convivência, anestesia certos aspectos e aflora outros. Já nem ouço a campainha e o sinal mudo da gente lá de fora. Já estou dentro do jogo deles, caramba, caramba, isso pode ser engraçado, ha-ha.

No reflexo do vidro dá pra ver a nuca silenciosa de perfil e o momento do mais puro reflexo do dentro e reflexo da cócega que trai a sisudez senso comum: Ela ri.

Ela riu, deu risada incontida tão sonora que ninguém ouviu, afinal todos pulam com os olhos e ouvidos lá pra fora que é mais legal e poluído. Eu rio no mesmo momento, não dá pra segurar, hahaha, são três patetas e mais dois.

Ela riu olhando pra fora pra ninguém ver.


Ou seria pra todo mundo lá de fora olhar acá pra dentro e dizer sem dizer: "Lá dentro é mais legal e menos poluído."



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4.4.08

Déjà vu de mussarela


Os dois. Logo de cara foram pra pizzaria, onde ele lhe falava sobre "sensações de época". Quando se está em algum lugar ou situação ou sentindo certo cheiro que te faz remeter a certa época.

Sim, de mussarela, isso mesmo.

Olhando a vitrine de oréganos ele exemplificou uma dessas sensações. Sempre que via um leão feito de pedra sentia-se na época em que sua irmã estudava no colégio esquisito e também confundia sua excursão de escola com um sítio misterioso. Um leão de pedra, só isso - estalando os dedos - e já estava em outro lugar. Ela ouvia e comentava muito colorida com o sorriso na atenção e a completa compreensão nos olhos.

23? Sim, à vista, obrigado.

Ela o interrompia como cócegas de piadas sobrepostas, contando sobre a vez em que numa noite de chuva ela olhara para um poste e só enxergara as gotas na faixa de luz. Ela concluira que era só nas noites que o céu não chovia, mas a luz dos postes que cuspia. Coisas de criança. "Coisas de criança", ambos pensaram silenciosamente durante o caminho de volta com a mussarela de 23 contos queimando na mão. Coisas de criança como a amizade flutuante. Eles perceberiam ali em silêncio que o verdadeiro sentido para tais palavras não eram explicáveis por adultos que cobravam 23 paus numa mussarela. A mussarela queimava-lhe os dedos e ele pensava que quando se definiam muitos sentidos para poucas coisas, essas simplesmente deixavam de existir. Cortaram o primeiro pedaço e engatilharam uma conversa sobre walkie-talkies. Eram amigos deveras, estritamente essa infinidade indefinível.

para preta.

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