25.12.11

AQUILES:
Assim falou a águia,
ao perceber as penas
na flecha que a perfurava:
Então somos abatidas
por nossas próprias asas


(Ésquilo)

.

24.12.11

                                                   
                                                       Em retrospectiva, o saldo de 2011:
                                                       1. ocupar os lugares mais incômodos de nós e todo o resto,
                                                       2. pois se ausentar não dá pé;
                                                       3. a presença nos ressuscita.

.

18.12.11

Em breve o firmamento completa um ano. E nada muito além daí. Um sinal! A Lerdeza acena lentamente como incapacidade, mas ainda assim a recebo para jantar. Macarronada, um suco de laranja; pra que as energias voltem mais rápido. Trocamos figurinhas, literalmente. Ela é mais paciente para juntá-las. Também me indica as Noites Brancas de Dostoiévski e pergunta se eu havia reparado que Bresson filmara os encontros em noites escuras, não claras como no original. Digo que não, e ela dá risada.

--

Conviver com a decepção de não poder completar o quebra-cabeça. É grande demais, sim, mas é por isso que começo desde já. Numa das figurinhas está a imagem do Desinteresse. Noutra a da Burrice. Mas faço a troca desvantajosa por duas repetidas do Amor.

--

Tatear as sombras ou andar seguro? Brincar nas ruínas ou observar edifícios firmes? Pergunto para a figura da Criança e ela pede mais tempo pra brincar, sempre, exageradamente, sob o risco tremendo de se perder entre as pedras, o lodo e o nada. Pois bem, a Criança fita o Adulto e o enche de vergonha, sob uma fascinação tremenda que o obriga a pular da Janela, meu coringa.

12.12.11



Santiago Fillol, Dormez- vous? [Do you sleep?] [¿Duerme?], 2009, 27’

25.11.11

Se somos crianças, verdadeiramente, e sabemos a existência do feitiço, não é de se espantar que consigamos inventar um contra-feitiço. Na brincadeira o que ocorre não é pouca coisa: é concedida uma qualidade àquela completa abstração das relações fantasmagóricas. A vida ocorre nesse espaço mínimo de subversão do desencantado em reencantado.

Se de certa forma dormir é estar preso num tempo passado que se repõe constantemente, o tempo do desperto é o qual vemos coincidir nele corpo e presença. O dorminhoco tem, portanto, sua presença arruinada ciclicamente. Não sendo nunca pleno é ora carcaça, ora conceito. É necessário localizar a fratura em que tal ciclo terrível se subverte. Tudo aponta para o contra-feitiço ensinado pela criança: tirar a força da fonte de fraqueza, criar presença a partir de nossa ausência consciente.

Se isso também não servir, como um vaso (e um prazo) espatifado no chão, buscaremos a porcelana seguinte.

• Atentar para a imagem dialética de Benjamin, que definiu seu teor como o de uma dialética na imobilidade. Há um jogo entre tempo passado e presente, dormir e despertar, antiprogressista, que busca dissipar –– justamente –– o encantamento deste monstro.

16.11.11

os vigias do fogo sob as cinzas

Ó, fantasmagoria
como nos devasta
seu poder de falsa natureza.

Ó, fantasmagoria
como devasta
nossa presença em relação a todas as coisas.

Ó, fantasmagoria
um desafio sem nada em troca:
–– devastaria a si mesma?

Talvez lhe ofereçamos uma cama
(que restitua todas as energias,
mas que seja também um leito de morte).

Pois se ainda queima algum fogo,
cuidaremos para que ele a evapore,
em justiça aos que perderam o tato.

30.10.11

 

low life
os zumbis são aqueles que precedem a revolta,
dilacerantes à força de serem frágeis,
sua presença arruinada
a noite atravessa

27.10.11

organizado
secando
no varal

26.10.11



material sutil
que vira fumaça
ao menor descuido.




19.10.11


A presença arruinada
A noite atravessa.

25.9.11

Três ideias terríveis

Dormir como progressiva sensibilização do corpo, sim,
mas, simultaneamente, como forma supressiva do sujeito.

Portanto, não apenas dormir, 
mas dormir dialeticamente.


Como diz Alÿs: não mais utopias, mas fábulas.


O que nos resta: o fragmento.

15.9.11



Canteiro de obras

Meditar com pedantismo sobre a produção de objetos –– material ilustrado, brinquedos ou livros –– que devem servir às crianças é insensato. Desde o Iluminismo isto é uma das mais rançosas especulações dos pedagogos. A sua fixação pela psicologia impede-os de perceber que a Terra está repleta dos mais incomparáveis objetos da atenção e da ação das crianças. Objetos dos mais específicos. É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande. Dever-se-ia ter sempre em vista as normas desse pequeno mundo quando se deseja criar premeditadamente para crianças e não se prefere deixar que a própria atividade –– com tudo aquilo que é nela requisito e instrumento –– encontre por si mesma o caminho até elas.


The way things go, 1987, Peter Fischli e David Weiss
e trecho de Rua de mão única, 1926-28, Walter Benjamin

11.9.11

Dormir como progressiva sensibilização do corpo,
ativação de um modo desviado de percepção do mundo.


Tornar-se pouco a pouco capaz de não mais viver segundo 
um número reduzido de normas afetivas, que polarizam o 
corpo em alegrias ou tristezas obssessivas.

Ser cada vez mais capaz de formar imagens, e ideias dessas 
imagens, de tal sorte que fiquemos aptos a ser causa adequada 
dos encadeamentos de afecções corporais e das ideias que formamos.

–– Pascal Sévérac sobre Spinoza

9.9.11

Sobre a gênese da burrice

O símbolo da inteligência é a antena do caracol "com a visão tateante", graças à qual, a acreditar em Mefistófeles, ele é também capaz de cheirar. Diante de um obstáculo, a antena é imediatamente retirada para o abrigo protetor do corpo, ela se identifica de novo com o todo e só muito hesitantemente ousará sair de novo como um órgão independente. Se o perigo ainda estiver presente, ela desaparecerá de novo, e a distância até a repetição da tentativa aumentará. Em seus começos, a vida intelectual é infinitamente delicada. O sentido do caracol depende do músculo, e os músculos ficam frouxos quando se prejudica seu funcionamento. O corpo é paralisado pelo ferimento físico, o espírito pelo medo. Na origem, as duas coisas são inseparáveis.

Os animais mais evoluídos devem o que são à sua maior liberdade; sua existência mostra que, outrora, sua antenas foram dirigidas em novas direções e não foram retiradas. Cada uma de suas espécies é o monumento de inumeráveis outras espécies cuja tentativa de evoluir se frustrou desde o início; que sucumbiram ao medo tão logo uma de suas antenas se moveu na direção de sua evolução. A repressão das possibilidades pela resistência imediata na natureza ambiente prolongou-se interiormente, com o atrofiamento dos órgãos pelo medo. Cada olhar de curiosidade que o animal lança anuncia uma forma nova dos seres vivos que poderia surgir da espécie determinada a que pertence o ser individual. Não é apenas seu caráter determinado que o mantém sob a guarda de seu antigo ser; a força que vem de encontro a esse olhar é uma força cuja existência remonta a milhões de anos: foi ela que o fixou desde sempre em sua etapa evolutiva e impede, numa resistência sempre renovada, toda tentativa de ultrapassar essa etapa. Esse primeiro olhar tateante é sempre fácil de dobrar, ele tem por trás de si a boa vontade, a frágil esperança, mas nenhuma energia constante. Tendo sido definitivamente afugentado da direção que queria tomar, o animal torna-se tímido e burro.

A burrice é uma cicatriz. Ela pode se referir a um tipo de desempenho entre outros, ou a todos, práticos e intelectuais. Toda burrice parcial de uma pessoa designa um lugar em que o jogo dos músculos foi, em vez de favorecido, inibido no momento do despertar. Com a inibição, teve início a inútil repetição de tentativas desorganizadas e desajeitadas. As perguntas sem fim da criança já são sinais de uma dor secreta, de uma primeira questão para a qual não encontrou resposta e que não sabe formular corretamente. A repetição lembra em parte a vontade lúdica, por exemplo, do cão que salta sem parar em frente da porta que ainda não sabe abrir, para afinal desistir, quando o trinco está alto demais; em parte obedece a uma compulsão desesperada, por exemplo, quando o leão em sua jaula não pára de ir e vir, e o neurótico repete a reação de defesa, que já se mostrara inútil. Se as repetições já se reduziram na criança, ou se a inibição foi excessivamente brutal, a atenção pode se voltar numa outra direção, a criança ficou mais rica de experiências, como se diz, mas frequentemente, no lugar onde o desejo foi atingido, fica uma cicatriz imperceptível, um pequeno enrijecimento, onde a superfície ficou insensível. Essas cicatrizes constituem deformações. Elas podem criar caracteres, duros e incapazes, podem tornar as pessoas burras –– no sentido de uma manifestação de deficiência, da cegueira e da impotência, quando ficam apenas estagnadas, no sentido da maldade, da teimosia e do fanatismo, quando desenvolvem um câncer em seu interior. A violência sofrida transforma a boa vontade em má. E não apenas a pergunta proibida, mas também a condenação da imitação, do choro, da brincadeira arriscada, pode provocar essas cicatrizes. Como as espécies da série animal, assim também as etapas intelectuais no interior do gênero humano e até mesmo os pontos cegos no interior de um indivíduo designam as etapas em que a esperança se imobilizou e que são o testemunho petrificado do fato de que todo ser vivo se encontra sob uma força que o domina.

notas e esboços, Adorno/Horkheimer, 1944

7.9.11

o que há de tão belo neste mundo negativo?

a armadura ––
do gato e rato,
do animal-mãe que defende seu ninho,
da luta entre dois animais pela presa, pelos ossos ou pelo objeto de amor.

amortecimento gradual?


Os hábitos são formas petrificadas, irreconhecíveis, de nossa primeira felicidade e de nosso primeiro terror. É da brincadeira que nasce o hábito. Repetição? Benjamin, Benjamin...

6.9.11

Não poder. Vontade. Eu quero. Portanto é a velha carne afinal, não importa quão velha. Porque se a memória existe fora da carne, não será memória, pois não saberá do que se lembra, de forma que quando ela deixou de ser então metade da memória deixou de ser e se eu deixar de ser, toda a lembrança deixará de existir. Sim –– pensou ––, entre a dor e o nada, escolherei a dor.
Harry Wilbourne, em Palmeiras Selvagens, de William Faulkner, 1939

2.9.11

Não existe propriamente um repouso, se até o repouso é uma "vibração feliz" diz Bachelard em algum momento d'A dialética da duração.
Morrer devagarinho pode ser tão rápido quanto um atropelamento por cavalos. Ora, pois! não quereremos mais os tempos que não os nossos tempos, e se há algo que podemos fazer é domar nossas velocidades e assim alterar todos os pesos ao redor.

27.8.11

É preciso ter um peso. Uma determinada massa para a nossa atenção. Mas não em matéria literal, pois até mesmo a fumaça pode pesar mais que um elefante.

Trata-se da gravidade da obra –– que não deve ser confundida por ser mais grave que qualquer outra coisa, apenas mais pesada –– que engloba nossa experiência numa duração inversamente proporcional à sua massa: quanto maior a gravidade, mais devagar o tempo passa.

Somos atravessados por diversas gravidades, diversas durações. A arte que gravita por mais tempo é simultânea a outros campos gravitacionais (interferindo neles). Qualquer interferência mostra que tudo é atravessável, nada é puro e fechado. Uma vida equilibrada demais nos faz acreditar que o hábito da imobilidade é a própria definição de nossa natureza, nossa armadura contra a dissolução no outro.

Nada definitivo! 
O quanto antes tornarmos a fluidez e a gravidade a origem de nossas experiências, tanto melhor as vivenciaremos. Teremos tempo suficiente para ser atravessado pelas diversas combinações de corpos em relação até uma nova mudança no equilíbrio e assim se faz a avalanche.

Aquilo que atrai nossa atenção de modo devastador: Peso fluído
For him, the attempt to present something as "real" before it has been experienced –– whether the moisture of a raindrop on the skin or the emotions elicited by a work of art –– is a segregation of the senses. When notions of uncertainty are eradicated and when the representational is deemed a given, our ability to see, understand and experience becomes atrophied.


23.8.11


O hábito é a armadura das experiências.



14.8.11


tetologia
Ter uma experiência é tornar-se parte do mundo.

6.8.11

... pirataria selvagem das crianças, que farão qualquer coisa— fingimento ou sigilo ou representação— para obter qualquer coisa.
— Palmeiras selvagens, W.F.



Construir e brincar com corpos de tempo. Não "mostrar", mas "flanar". Ainda uma narrativa, mas narrativa modulada de fora dela por aquele que imerge nela. Diluição sempre irrepetível. Brincar com o tempo é perceber que o tempo é modulável, desviável. Entre uma "sala" e outra existe um intervalo inventado pela serialização (de narrativa quebrada) dos elementos, pela diferença e pela repetição. O silêncio do não-lugar (espaço vazio) dá lugar aos ecos quando da ocupação dos corpos (espaço com estômago, orelhas e pernas). A galeria morta vive uma composição simultânea de vida, temporalização e imaginação que evidenciam exatamente as limitações do espaço que contém este corpo instalado, vazando para fora.

27.7.11


instalação.





21.7.11


Dormir, máquina do tempo.
Passando pelo neutro,
o corpo se torna instantâneo 
(porque zona inapreensível)
fazendo o que lhe é necessário, 
Oh 
–– Desviar o tempo!


30.6.11


É preciso calcular, em abstrato, no ar, os valores coloríficos na intenção sempre irresistível de 
restituir a realidade –– como se ela própria não fosse construída por valores igualmente aéreos.
O cálculo visa atingir a sensibilidade como que por uma pancada. O azul aqui deve ser vermelho ali.
Esse golpe torna, em alguma medida, a sensibilidade uma comoção pensante. Há algo de impuro
e impossível na mistura. Vejo, sim, eu me vejo vendo o vendo. Uma pancada. Uma, duas. Na testa.
Escorre algo sob pressão. O fluído de alguma engrenagem oculta. Retroalimentação.

25.6.11

There is another metaphor for this process of creating a structure which conveys, perhaps, something of the situation of the artist. He is very much like that classic figure of animated cartoons who ... is running along and, in complete concentration on his purpose-carried along, as it were, by the momentum of the act-runs right off the edge of a cliff without noticing it and continues running in mid-air until, looking down, he becomes aware of his unnatural situation, and in that moment, and because he perceives it as extraordinary and unnatural, is unable to sustain it, and falls.

So the artist, beginning in reality-in that which already exists- starts moving toward a vision, an Idea, and, with the cumulative momentum of that dedicated concentration, crosses the threshold from that which already exists into the void where, still moving forward, he creates a plane of earth where his foot has been, as the spider, spinning from his own guts, threads his ladders or highways through once empty space.

–– Maya Deren
Some Methaphors for the Creative Process

18.6.11

Hoje vi um desenho, e ele era incrível. Existia uma máquina com alavanca de liga e desliga para a imaginação. E era preciso desligá-la, pois só se conseguia imaginar coisas muito perigosas, como lava, facas e monstros. E eles ficam lá lutando contra essas coisas invisíveis em plena sala de estar. Estar. É de fato um desenho psicodélico, ele coloca silêncios e presença nas coisas e no fundo é esse o tema dele, a aventura, não é à toa que chama Hora de aventura. É um tempo pra isso e nada mais, e o melhor é que a aventura é meio que desprovida de lógica e por isso não tem muita finalidade. No momento "em que não há mais volta" (frase recorrente nas referências atuais) um deles diz –– Eu estava me divertindo com minha imaginação... e de repente tudo ficou intenso.

Talvez seja o primeiro desenho hippie que conheci, e que coloca o corpo dos seres no centro. Me faz lembrar das coisas que o Benjamin escreveu sobre desenhos animados, ou o Adorno, já não lembro mais, provavelmente este, quando diz que os desenhos que explodem, amassam, cortam, são algo como uma anestesia praquele que assiste, como se fizesse fluir um desejo subterrâneo de caos e violência. Nesse caso da imaginação, dos tempos mortos e do vazio (acho que até daria pra dizer antiespetacular, por mais infantil que soe, neste caso é perfeito) me parece que eles emulam outra coisa, talvez o ato de criação. Porque tudo parece possível, e já não existe expectativa em relação às coisas que eles fazem, pois as ações são sempre oblíquas (como o desvio no caminho por uma parede invisível), no limite do absurdo, "mas ainda assim" (outra recorrência) a criação dos gestos sempre carrega um peso da necessidade, ainda que injustificada. Uma coisa que reli no Aleph do Borges, porque estava grifado (o que torna esse tipo de frase uma recorrência em nossas vidas, pelo simples pinçar do grafite): Compreendi que o trabalho do poeta não estava na poesia; estava na invenção de razões para que a poesia fosse admirável.

Talvez seja nesse ponto que deva surgir a questão: isso tornou-se belo, isso tornou-se necessário. Não foi sempre assim, portanto também é uma invenção, juntamente com a obra.

Por que ativar a imaginação? Por que puxar a alavanca pra cima? 
(surge um botão de hiper atividade –– Eu tô imaginando uma porção de coisas)
Melhor ainda –– como destruir a alavanca? Imaginando-a destruída?
(eles tentam isso, mas –– Não consigo, minha imaginação é sinistra demais!)

 
Como imaginar o que nos é necessário? Como nos livrar da lava que nos derrete e aprisiona?
Ao que parece (recorrências...) é preciso chegar ao limite do real e do não-real, daquilo que ainda não se realizou, no devir das coisas, pra que elas comecem a ressurgir das cinzas, como uma fênix. Pé no paradoxo, o amor parece existir aí igualmente, entre a dor e o prazer, a questão de sempre: não vamos aceitar isso como natural, vamos criar novos modos de vida, novos modos de amar.


Hora de aventura, o episódio chama Sonho de dia chuvoso, que deve ter um pé lá em Shakespeare.

16.6.11


–– Ainda veremos o que não vemos.
–– Calma, calma, vá dormir.  
–– Viver o impensável. O impensável. 
–– Será trabalhoso refazer o mundo. O trabalho dos trabalhos.
–– Por isso toco seu rosto.
–– Sua mão? E esta?
–– Não existe a Mão das mãos, nem o Molde dos moldes. O que existe é seu rosto em minha mão, e o arrepio em minhas costas. Esta é a primeira nova lei que criamos juntos.
–– E este sono que me atravessa diante de sua face é a segunda.
–– A terceira e a quarta já aconteceram também.
–– A temperatura solar de meu dorso encontrando sua voz fora de mim.
–– Este pé frio que reclama novos caminhos.
–– É para este percurso de hibernação ativa que legislamos? Para este corte no real que já não apetece?
–– Uma explosão. E ninguém verá. Rios subterrâneos que moverão o grande bloco de gelo que chamamos modo de vida, até o primeiro estalo e a primeira vazão.

–– Vamos polir estas imagens. Vamos enraizá-las para que refaçam seu sentido, ao menos para nós compreendermos mais e mais a natureza deste sono que nos atravessa.
–– Calma, calma, quando amanhecer. Vá dormir, que tudo fluirá.

11.6.11

8.6.11

Olhar diretamente nas trevas, ao invés de constatar sua existência dando-lhe as costas. Falam como se as trevas fossem mais do que nós mesmos.

Bom presenciar essa vontade cega pela vida, pelo amor. Ecos de Romeu e Julieta. Convicção tão bela de se dar ao outro numa completa irresponsabilidade, fora do alcance do cinismo, como uma doença que lhe faz viver. Contaminação que não há volta. Só o que nos leva ao limite nos ensina a respeito de tudo que há dentro dele. Um parênteses vital.

O limite da vida é uma fábula real?

Vamos seguir, vamos seguir, independente dos riscos (tornar isso instintivo).

5.6.11


2) O NEUTRO COMO ESCÂNDALO

Não é difícil ver qual é o fundo dessas imagens ruins. Lembremos: historicamente, o espaço "oficial" do neutro é o ceticismo, ou discípulos de Pírron: zetéticos (estão sempre procurando), céticos (examinam sem encontrar), eféticos (suspendem o juízo), aporéticos (sempre incertos); portanto, sempre imagens de fracasso, impotência. > O Neutro sofre sob o peso (a sombra) da gramática: = o que não é masculino nem feminino, ou (verbos) o que não são ativos nem passivos (= depoentes) = o que está retirado da genitalidade, o que não é viril nem atraente (feminino); sabe-se, miticamente, endoxalmente, infâmia indelével > não nos cabe tomar partido contra essa imagem (ou então, é o curso inteiro que é essa oposição, não protestamos contra uma imagem, não adianta nada). O que se pode fazer é derivar, deslocando o paradigma. > no lugar da "virilidade" ou da carência de virilidade eu poria a vitalidade. Há uma vitalidade no Neutro: o Neutro brinca no fio da navalha: no querer-viver, mas fora do querer-agarrar > penso no final do poema de Pasolini já citado (Poesia in forma di rosa, Garzanti, 1964), capítulo V, IX:

"Deus meu, afinal que tem o senhor no ativo? –– Eu? (Um balbucio abominável, não tomei optalidon, treme a minha voz de menino doente.) Eu? Uma desesperada vitalidade."

["Dio mio, ma allora, cos'ha lei all'attivo? –– Io? (Um balbettio nefando, non ho presso l'optalidon, mi trema la voce di ragazzo malato.) Io? Una disperata vitalità."]


trecho acerca da figura Imagens do Neutro em O Neutro, de Roland Barthes

29.5.11

Palavra do dia: Faulkner.
Algo sempre nos permeia. E nossa reação ao nos depararmos com esse algo é fundamental para o belo no homem. É aquele estalo que todo aprendizado provoca, como uma fratura no osso que nos ensina pelo seu estalo característico. E é isso que se lê, ao menos no Palmeiras selvagens e O som e a fúria: o aprendizado do abismo. Isso ressoa como "arte" (a arte nos faz tocar o abismo).

[...] o guarda e o preso tateando pela estrada afora com as pás de cabeça para baixo, o segundo guarda ao volante, os vinte e dois condenados espremidos como sardinhas na caçamba do caminhão e argolados pelos tornozelos ao próprio veículo. Cruzaram outra ponte - dois delicados e paradoxais trilhos de ferro emergindo oblíquos da água, viajando paralelo a ela por certa distância, para logo submergirem novamente, com um quê espantoso, quase significativo embora aparentemente sem razão, como alguma coisa num sonho não de todo pesadelo. O caminhão se arrastou adiante. [...]

[...] Então o condenado mais alto tomou consciência de outro som. Ele não começou a ouvi-lo de uma hora para outra, ele de repente sentiu que o vinha ouvindo o tempo todo, um som tão além de toda a sua experiência e de seus poderes de assimilação que até este momento não fora capaz de percebê-lo, assim como uma formiga ou uma pulga não perceberiam o som da avalancha na qual deslizassem [...]

trechos de "O velho", uma das partes de Palmeiras selvagens, 1939.

Outra coisa: um livro presenteado faz dois anos de idade na estante faz pensar que um mundo inteiro desmoronaria ou se ergueria de forma completamente distinta dependendo daquele que resolve lê-lo na época errada, como quando se come um fruto verde, continua-se não sabendo o que é comê-lo em seu melhor sabor, com sensações mais propícias a uma explosão. O amor é um transe.

Livro melífluo.

26.5.11


Às fábulas!:
... quando eles já não conseguiam mesmo mover os gatilhos, 
como se a beleza de um poema fosse tão paralisante 
quanto a maior das emboscadas...

HELENA
How happy some o'er other some can be!
Through Athens I am thought as fair as she.
But what of that? Demetrius thinks not so;
He will not know what all but he do know:
And as he errs, doting on Hermia's eyes,
So I, admiring of his qualities:
Things base and vile, folding no quantity,
Love can transpose to form and dignity:
Love looks not with the eyes, but with the mind;
And therefore is wing'd Cupid painted blind:
Nor hath Love's mind of any judgement taste;
Wings and no eyes figure unheedy haste:
And therefore is Love said to be a child, 
Because in choice he is so oft beguiled. 
As waggish boys in game themselves forswear, 
So the boy Love is perjured every where: 
For ere Demetrius look'd on Hermia's eyne, 
He hail'd down oaths that he was only mine; 
And when this hail some heat from Hermia felt, 
So he dissolved, and showers of oaths did melt. 
I will go tell him of fair Hermia's flight: 
Then to the wood will he to-morrow night 
Pursue her; and for this intelligence 
If I have thanks, it is a dear expense: 
But herein mean I to enrich my pain, 
To have his sight thither and back again.

[Exit]

final da primeira cena de Sonho de uma noite de verão
Shakespeare, 1595

21.5.11









Busco a fuga dessa espécie de "realismo" das imagens?
Busco evitar a produção destas imagens inibidoras da imaginação, da fabulação, do pensamento, por serem tão "reais" que acreditamos que não há nada para além delas? Para abaixo delas? Para acima delas? Fugir das imagens absolutas? Reagir contra as imagens tautológicas?

Às fábulas! À poesia! Ao dormir!

Fechar os olhos para ver melhor. Rebeldia corporal.

O potente do neutro está na capacidade de reorganizar o corpo para se afetar de maneira adequada.
O neutro limpa a ideia fatalista das imagens ocas que "representam" o "real" dizendo que assim é e sempre será. Politicamente é preciso dormir para deixar que se esvazie de nosso corpo todo o lixo acumulado, para que nós possamos amar novamente, criar novamente, sonhar novamente. Seguir hoje por um código que se diz realista é o maior dos perigos. Acreditamos demais, criamos de menos. Nos ensinam a falar a verdade ao invés de inventar. Nos ensinam um mundo, não infinitos mundos. 

A literatura segue com grande imaginação justamente por não poder mostrar imagens, é preciso imaginar. No vídeo e cinema a questão é inversa (mas jamais "inversamente proporcional"), pois faltam universos para além do que é mostrado (e os grandes filmes são apenas isso, aqueles que criam imagens para além das que ele próprio exibe).

Busco o amor, sempre e sempre, cegamente? 


15.5.11





(...) a largarem o ninho de respeitabilidade em direção ao espaço desconhecido e desencorajador onde não há terra à vista (...) e isto sem terror ou alarme e logo não inferindo coragem nem força: apenas uma total e completa fé em asas vaporosas, frágeis e jamais testadas (...)
Palmeiras selvagens, William Faulkner, 1939


12.5.11


O desvio é a mutação da sensibilidade.
O desvio é a redistribuição dos afetos.


7.5.11

Era uma vez, 
no reino das necessidades não-formuladas,
onde algumas criaturas dormiam...


5.5.11


Palavra do dia: fábula.

Whereas the highly rational societies of the Renaissance felt the need to create utopias, we of our times must create fables. (Alÿs)

fá.bu.la
sf (lat fabula) 1. Pequena narrativa em que se aproveita a ficção alegórica para sugerir uma verdade ou reflexão de ordem moral, com intervenção de pessoas, animais e até entidades inanimadas. 2. Narração imaginária, ficção artificiosa. 3. Narrativa ou conjunto de narrativas de ideação mitológica; mito. (Michaelis)

Talvez não haja forma melhor de desviar a moral vigente.
Na zona neutra haveria animais e pedras falantes?
Será que falta esse lado bobo?

4.5.11








Pra não abrir o portão que já é velho colocamos um apoio. Um backup. Debaixo nascem flores roxas. Um apoio. Unindo as pontas da lata há outro apoio para as mãos puxarem. E ao lado minha casa ilumina o quintal com sua sombra, apoiando a foto com uma espécie de moldura inacabada. De onde vêm tantos apoios?



1.5.11



Palavra do dia: zona.
Território (sem posse) onde algo se passa.
Mas não se sabe bem suas fronteiras, apenas quando o que se passa delimita algumas evidências recorrentes. Como quando você me beija o pescoço algo ocorre e uma zona nasce (ou se revela) pelos efeitos. Como quando a música atinge meus pés e meus pés atingem o chão e ali um território brota como num ritual no qual se delimitam as partes (tal coisa para o divino, o divino para nós, etc).
Ao que parece já há uma indeterminação ao dizermos zona, talvez venha daí o sentido de isso aqui está uma zona, fora de ordem para os sentidos, inapreensível.

O que resta de interessante é fixar um olhar atento às evidências recorrentes que revelam a zona, no arrepio. 

Para o terceiro vídeo, então, o problema: o que e como seria entrar na zona de indiferenciação? na zona neutra?


30.4.11


Palavra do dia: contato.

Como uma evidência no corpo (porque agora tudo são evidências).
Não há coisa mais bela do que presenciar uma diferenciação.
É ver o corpo neutro desviando de seu curso, assim quase sem saber.
Aparentemente o processo de percepção do movimento (mudança) é muito mais interessante do que o processo da inércia (curso). Talvez porque neste já saibamos alguma coisa, e no outro descobrimos que não sabemos tanto assim. 
Por isso é tão bela esta pintura, é o momento epifânico do contato, aquele oh tão silencioso que só se passa em nossos corações, então é assim.


O que me parece interessante aqui é testar o contrário, presenciar frequentemente a indiferenciação, a volta ao estado neutro, até que... (como em uma fábula).





29.4.11


Palavra do dia: cifrada.
$
Como "emboscada" - uma "cifrada" (com um gesto).
Um código muito cifrado, que poucos entendem: cuidado ao cifrar para não emboscar a si mesmo.
Porque emboscar a si mesmo é desagradável, pois não se sente necessária a fuga, nem o confronto, é apenas um abraço oco e solitário.
Não existe a Cifra, mas cifras (porque agora pra mim esta construção da caixa alta-baixa vale para qualquer coisa). 

Portanto não existe o segredo a ser desvelado, mas emboscadas singulares, ou melhor ainda, como Spinoza diz, encontros alegres.
Imagine então esses mil contatos de um corpo cifrado, um braile gostoso, um baile sutil.


27.4.11


Palavra do dia: melíflua.
Que flui como o mel, doce.
Corpos melífluos (porque agora pra mim tudo são corpos).
Avalanche densa.






























Obra permanente

Talvez uma galeria não com obras, mas em obras permanentes.
Talvez sua própria obra seja não a obra das obras, mas as obras em si - os artistas como pedreiros loucos.
Digo, talvez a questão seja bastante boba, até hoje só uma questão de respeito às paredes e à estrutura.
Evidentemente que o dono da galeria deva também ser um louco, pois significaria trabalhar em uma estrutura que se desestrutura como necessidade. Sua morte seria terminar a construção e por fim se tornar galeria, o projeto temido pelos artistas que teriam, então, de arranjar outro trabalho, desta vez o da pintura de interiores.



22.4.11


Falar para crianças.


17.4.11



Isto é isto.
Tautologia variada / Variação tautológica
Como uma aula que perde o controle.


16.4.11







Os homens preferem a ordenação à confusão, como se a ordenação fosse algo que, independentemente da nossa imaginação, existisse na Natureza. - Spinoza, Ética.

Tautologia: Todos precisam dormir.
Desde sempre; portanto, é nossa máquina do tempo ao passado primitivo, mas também ao futuro.
Dormir como refrão do homem. Zona neutra e indiferenciada. O neutro como indiferenciação.

Dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes. Tautó.

Porque criar compreensão é seguir mais e mais, sem fim e finalidade (a não ser viver melhor, o grande parênteses humano).



5.4.11


Recomeçar pelo básico: apontando lá para fora eu vejo alguma coisa.
Ainda veremos o que não vemos. Eis um novo mantra.
Ainda veremos... soma-se ao nunca arcaico Mas ainda assim...
Nada como ser professor e aluno de si mesmo; o método poderia ser definido também como teimosia.
Teimosia em achar que não há verdade nenhuma além daquela que vai parecer a mais importante para si mesmo. A mais afetiva. A mais efetiva. Apontar a câmera para lá, essa besta programada que me traz um bruto, RAW linguístico que me condena à interpretação, ao aprendizado de que aquilo é um mapa que não leva a lugar algum a não ser que eu invente um lugar para este mapa inútil. A imagem como mapa inútil. Ao mesmo tempo em que há um deslumbre um pouco bobo, que baba um pouco, pela condição da câmera, que se vê envolta de um mar de sentidos possíveis, mas ainda assim sobrevive pura e burra. Puramente estúpida.
Nada como um professor tolo para ensinar as melhores lições.
Se fosse possível apenas re-começar... Fazer imagens como um cachorro que persegue sua própria calda. Mesmice originária em movimento.
Pelo básico do básico, então, apontamos a câmera para lá, mas sempre e sempre nunca básico o suficiente. Será este nosso maior defeito, portanto façamos dele a maior virtude. Formado por um mestre estúpido, nos tornamos mancos, e pulamos cada vez mais alto - lá fora.
Estou em casa - o maior cenário possível.

.

2.4.11

Um ouvido que mal interpreta. Quanta coisa. 
Lorraine tem em sua essência a chuva. 
Sempre voltamos à chuva (?). 
Quanta coisa. Multidão de sapateados líquidos.


I was talkin' to Chuck in his Genghis Khan suit
and his wizard's hat
He spoke of his movie and how he was makin'
a new sound track

And then we spoke of kids on the coast
and different types of organic soap
And the way suicides don't leave notes
Then we spoke of Lorraine
always back to Lorraine

I was speakin' to Phil who was given to pills
and small racing cars
He had given them up since his last crack-up
had carried him too far

Then we spoke of the movies and verse
and the way an actress held her purse
And the way life at times can get worse
Then we spoke of Lorraine
always back to Lorraine

Ah, she's a wild child
and nobody can get at her
She's a wild child
oh, and nobody can get to her

Sleepin' out on the street
Oh, livin' all alone
without a house or a home
and then she asked you, please
hey, baby, can I have some spare change
Oh, can I break your heart?

She's a wild child, she's a wild child

I was talkin' to Betty about her auditions
how they made her ill
But life is the theater, is certainly fraught
with many spills and chills

But she'd come down after some wine
which is what happens most of the time
Then we sat and both spoke in rhymes
Till we spoke of Lorraine
ah, always back to Lorraine

I was talking to Ed who'd been reported dead
by mutual friends
He thought it was funny that I had no money
to spend on him

So we both shared a piece of sweet cheese
and sang of our lives and our dreams
And how things can come apart at the seams
And we talk of Lorraine
always back to Lorraine

She's a wild child
oh, and nobody can get at her
She's a wild child
oh, and nobody can get to her

Sleepin' out on the street
Oh, livin' all alone
without a house or a home
and then she asked you, please,
oh, baby, can I have some spare change
Now can I break your heart?"

She's a wild child, she's a wild child




Wild child, no disco Lou Reed, 1972

12.3.11


Não é possível escrever um roteiro, prever.
O que é possível, e isto sim interessa, é criar uma estrutura, um recipiente para que as imagens e os sons que virão do acaso (desejado) possam encharcá-la a ponto de esfarelá-la.
Por isso o cinema estrutural é tão instigante. Frampton, Akerman. Há uma conchinha ali, a regra do jogo, que é devastada por um oceano. É preciso colocar a concha próxima ao ouvido para ouvirmos o som de sua destruição em curso, de seu ensopamento invisível, tão necessário à arte.


8.3.11


Envolvimento primário

Em níveis baixos de consciência, o artista experimenta métodos de procedimento indiferenciados ou irrestritos que rompem com os limites precisos da técnica racional. Aqui, as ferramentas não se diferenciam do material com que operam, ou então parecem voltar à sua condição primordial. Robert Morris (Arforum, abr 1968) vê o pincel de pintura desaparecendo no "bastão" de Pollock, e o bastão se dissolver para se tornar "pintura derramada" de um recipiente como usado por Morris Louis. O que se deve fazer então com o recipiente? Essa entropia da técnica nos deixa com um limite vazio ou sem limite algum. Toda tecnologia diferenciada se torna sem sentido para o artista que conhece essa situação. "O que os nominalistas chamam de grão de areia na máquina", diz T. E. Hulme em Cinders, "eu chamo de elemento fundamental da máquina." O crítico de arte racional não pode correr o risco desse abandono a uma indiferenciação "oceânica", só pode lidar com os limites que surgem após essa submersão em tal mundo de não-contenção.

(...) O pensamento de Allan Kaprow é um bom exemplo: "Muitos seres humanos, ao que parece, ainda erguem cercas em torno de seus atos e pensamentos" (Artforum, jun 1968).




trecho de Uma sedimentação da mente: projetos de terra
Robert Smithson, Artforum, set 1968
*

Defino o Neutro como aquilo que burla o paradigma, ou melhor, chamo de Neutro tudo o que burla o paradigma. Pois não defino uma palavra; dou nome a uma coisa: reúno sob um nome, que aqui é Neutro.
Paradigma é o quê? É a oposição de dois termos virtuais dos quais atualizo um, para falar, para produzir sentido.
trecho da aula inicial de O neutro, Roland Barthes, 1978


5.3.11



Recodificar as estruturas.
Reestruturar os códigos.

Encontro alegre.


X - Ontem o tempo foi bom.
Y - Fez calor.






pôr ordem nos afetos,
esquecer 
para compreender, 
para refundar sua medida, 
para desviar:
dormir é morrer um pouquinho


27.2.11

 
(...) Vai levar um longo tempo até que as pessoas compreendam que, se suas necessidades são formuladas por critérios funcionais, então qualquer coisa que se faça, seja política ou apolítica, será mais vital. Nesse interim, a disparidade entre o desejo de satisfazer necessidades e os métodos disponíveis para tanto produz conflitos. Essa é a razão pela qual eu jamais endossaria um programa político ou econômico, mas sim programas vocacionais ou profissionais.



23.2.11


Primitive project.
Hmmm, eis um belo formato:
contaminante, constante.
Reunir sob um mesmo nome

20.2.11


Os que procuram repouso. -- Reconheço os espíritos que buscam repouso pelos muitos objetos escuros de que se rodeiam: quem quer dormir, torna seu quarto escuro ou entra numa caverna. -- Uma indicação para aqueles que não sabem realmente o que mais buscam, e gostariam de sabê-lo!
aforismo 164, livro III, A Gaia Ciência, Friedrich Nietzsche






Pegar a flecha do chão e lançá-la adiante.
Esse meu dormir não é um desejo - ó mas que triste - mas uma necessidade. Algo está acontecendo no fundo de minha memória, algo muito profundo, mas tão alegre!, algo muito complexo, mas tão simples!
Tudo então será apenas - ó mas quanta coisa - o movimento de traduzir da maneira mais precisa esta fumaça, de transformar a fumaça em pedra, e isto será meu signo, minha responsabilidade, minha cria que virá tanto mais por mim, tanto apenas por mim que agora vejo que não há arte que me interesse que não aquela medicinal, que cure. Mas estou perdendo a batalha, não sei em que língua traduzir esse hieróglifo sensorial, para que ele seja conciso como uma pedra polida. O tempo está passando e me contamino com outras línguas: como isolar essa fumaça imprecisa e pressioná-la até que com meu recipiente tempo-espacial a capture e permita que vire fumaça novamente, mas dessa vez no sentido inverso, desviado para dentro do outro? Quais objetos escuros me servirão? O que devo abandonar?

A resposta está na ponta da língua, 
mas um abismo separa a lembrança de dizê-la
e a queda destas palavras no mundo.
Onde está você?, rodeia o corpo no escuro,
sei que está perto, mas estaria tão perto assim quanto eu temeria? 

Os dorminhocos ou nascem, ou morrem: ultimato.


12.2.11

sono três: o encontro alegre na rádio pirata




5.2.11


(...) One's mind and the earth are in a constant state of erosion, mental rivers wear away abstract banks, brain waves undermine cliffs of thought, ideas decompose into stones of unknowing, and conceptual crystallizations break apart into deposits of gritty reason. (...)




trecho do texto A sedimentation of the mind: Earth projects, de Robert Smithson
fotografia aérea/mapa para Non-Site, 1968
leste oeste
pé cabeça
lua sol
terra água

beijo cuspe
acordar dormir
como se fôssemos muito longe para nos tornarmos fósseis
um não-lugar é um lugar na memória e mais ainda no esquecimento, como se este fosse um recipiente.
quero esquecer algo de que não me lembro, voltar ao lugar que não existe: marco um X no mapa, precisamente onde está em branco, coordenadas brancas, vento branco. Navego até lá, e de lá retorno meus olhos ao mapa e todo o restante, agora, precisa ser recoordenado.

Blanchot, em algum lugar diz: Quem quer se lembrar deve confiar no esquecimento arriscando-se ao esquecimento absoluto e esse belo acaso torna-se a lembrança.



4.2.11


Diferença quase despercebida entre descobrir e inventar. Descobrir é uma linha reta que leva inexoravelmente a alguma coisa, hoje ou amanhã. Inventar é um círculo que existe ou agora ou nunca. Descobrir mora no mundo a ser desvelado. Inventar mora na tensão entre algum lugar e lugar nenhum.

Inventar nos tensiona em potência, nos coloca em um abismo, e este abismo ou somos nós, ou não é nada, portanto é viver. A radicalidade extrema do artista está no silêncio elétrico das coisas: crie o impossível e haverá ainda mais e mais.



28.1.11


lembrete:

o dorminhoco é uma espécie de gente entrópica, em estado de entropia, que se dilui, que perde energia, liberando espaço pra outra coisa que chamo de Desvio; ou seja, o que parece negativo, um sempre não (o dormir, perder energia, esquecer) é algo positivo, um sempre sim, que é simplesmente a recombinação do que existia em algo que não existira até então.

O Desvio tem um pé no paradoxo, pois é tanto o momento de diluição (para o exterior), quanto o momento de criação (para o interior). De deformação e constituição; como um filtro que tirando da água suas impurezas não deixa de encher o copo com a mesma água; ou da rocha erodida que sai do meio do oceano para se tornar, sob o sol, areia. Um desenhista que desenha com lápis, mas também com borracha.

(Nietzsche:)
Y
Estava eu doente? Estou agora são?
Quem foi meu médico? Como pude esquecer tudo!

X
Agora sim, creio que está são:
Pois sadio é quem esquece.