29.6.10

Terça, 29 de junho de 2010

Querido diário,

Volto a escrever-lhe por um motivo muito grave,
você já deve estar acostumado, pois só lembro de escrever quando estou assim,
não sei.
Amanhã não tem jogo na copa e quando penso nisso mal posso conter o arrepio na espinha.
Não sei bem porque, mas me senti muito bem na última semana quando rompi relações com todos meus familiares e conhecidos. O tio que gosta de Hamlet ficou muito bravo quando descobriu que eu não estava doente de verdade.
Eu vi o jogo hoje e foi o máximo, nunca esperava que fosse acontecer. O sofá parece desgastado e minhas costas começam a doer um pouco na parte de cima da bunda, não sei se há um nome para isso, mas é a parte onde teríamos um rabo se tivéssemos rabo. Córtex? Não, não lembro, quando voltar para a escola preciso lembrar de perguntar isso na biologia.
Tenho gostado um bocado dos jogos, mas desconfio que o motivo real desse prazer é que quando tem eventos tão grandes assim no mundo, podemos nos sentir insignificantes. Não sei, me parece que 90 minutos de insignificância em todos os níveis devem fazer algo de bom pra todo mundo.
Claro que isso tudo considerando que teremos jogos até a final, pois uma desclassificação acabaria com meus planos de vida.

Sei que você não gosta de futebol, tentarei te escrever mais frequentemente, mas não garanto.

Figuinhas.


28.6.10

25.6.10



] / \|||\ \\|| | | | || |[

Descobrindo um erro gramático
em meio a infinitos acertos
sentiu leve vertigem
ao projetar a sensação do
pois então é humano!
para o todo
para o resto.

20.6.10

So Captain Marvel zapped him right between the eyes

O chuvisco
fragmentoresquício do início

Bang-bang; estamos vivos.
] da imagem da origem da imagem da [
Mar em ondas abissais

Enquanto isso descubro que o espelho voltado ao scanner reflete seu rosto irracional,
besta programada e distraída
que aglutina,

poeira a poeira,

o rosto de uma relação.

11.6.10

5.6.10

Portal dos afetos

sobre Hotel Monterey, 1972, de Chantal Akerman

"Não escute com seu ouvido, mas com seu espírito; não escute com seu espírito, mas com seu fôlego. Os ouvidos se limitam a escutar; o espírito se limita a representar-se; só o fôlego, que é vazio, pode apropriar-se dos objetos exteriores"
- Henri Matisse

Hotel Monterey é algo como o oposto a La chambre. Oposto como um reflexo, que é aparentemente a mesma coisa, mas projetada do outro lado. Levando em conta que La chambre se passa em um espaço-tempo primordial e absoluto, o lado oposto neste caso é o mundano e histórico. Pois o que vemos agora, mais uma vez com os olhos surdos de Akerman, é a percepção que se afeta e aprende com a passagem do mundo e de suas figuras. A escolha do cenário parece a mais adequada possível, refletindo ao filme anterior, pois em essência um hotel são chambres.

Mas a novidade que surge do conjunto de quartos e hóspedes é que eles trazem em si a passagem, ou seja, o tempo inscrito em seus corpos. Pudemos vislumbrá-la em La chambre, mas no sentido inaugural, o tempo se iniciava sincronicamente ao filme. Neste caso a presenciamos em seu fluxo, navegamos em seu rio sem conhecermos sua nascente. Sabemos que esta existe em algum lugar acima de nós, mas não podemos precisá-la. Tudo o que vemos parece expandir sua existência para o extra-campo, o extra-captado, o extra-filme. Não é mais possível um giro completo que abarque o todo, o mundo dessa vez se mostra mais complexo, faz-se necessária a montagem. No hall, a velhinha nos observa e vice-versa. Ela possui uma história velada em suas rugas, na maneira como nos encara, mas o que nos é oferecido na imagem presente é o momento único de uma relação, do diálogo que flui. O resto é ruído, seu passado e seu futuro (tudo o que não vemos) são um eco silencioso, apontando para o que nos resta: o presente como resquício.

Até mesmo os quartos são passageiros, pois ainda que eles não saiam do lugar como as maçãs de La chambre, a relação com eles é sempre única. A primeira vez que vemos interiormente um dos quartos nos mostra precisamente isso: a cama no centro do quarto é deslocada para a parede no intervalo de tempo da estadia do hóspede, ou seja, quarto e hóspede estão em um movimento que se define pela diferença de relações. A cama encostada no canto deve lembrar a cama de casa, algo que o serviço de quarto seriado jamais compreenderá. O afeto estabelece a organização dos espaços, e o (nosso) olhar gradualmente o absorve, acumulando-o, encontrando nele combustível para ultrapassar o serialismo neutro, para finalmente variar.

O olhar poroso que absorve os movimentos do arredor possui uma curiosidade graciosa, que observa tudo com sutis movimentos da câmera, como se o que saísse gradualmente de quadro fosse uma grande perda a seus olhos virgens. Como se o filme fosse o olhar de uma criança tranquila, que se depara com um mundo impressionante, que vaza por entre seus dedos e olhos. Como se ecoasse entre aquelas portas e esquinas o grito mudo: Quantas possibilidades!, entre desânimo e entusiasmo.

Começamos a vislumbrar esse eco quando subimos no elevador (o que já denota ação). Observamos na escuridão claustrofóbica a entrada e saída dos passageiros que nos olham curiosos, o que é isso? O olhar afastado e tímido dá, então, um passo a frente (mas que ousadia!), como que contaminado pela curiosidade das outras pessoas. De onde elas vêm? Próximos à porta, espiando pela janelinha, já não somos mais aquela mosca na parede, agora até mesmo atrapalhamos o fluxo dos passageiros, como uma criança travessa que aperta com deleite os botões dos andares. Entrevemos alguns corredores, percebemos que há um vasto mundo acima e abaixo de nós. O estudo topográfico se contamina com a pulsão do agir, de acordo com as ações-emoções que começam a aflorar durante a viagem. O passo a frente no elevador dá a pista de um corpo que começa a se formar, se misturando à inteligência que até então apenas observava.

Este jogo padronizado entre pudor e aproximação ganha a variável da ascensão que o elevador permite. Mobilidade. Podemos considerá-la tanto como portal para a apreensão espacial do hotel, como também portal de ascensão dos afetos, aquele que abre portas para novas relações. Trata-se de uma mobilidade que denota aprendizado baseado na temporalidade histórica: ao afundar o olhar primordial de La chambre nos corredores complexos de narrativas intermitentes do Hotel Monterey, o filme trata da formação e educação de um corpo que no princípio se crê neutro. Espia-se uma hóspede grávida em um dos quartos, uma gestação está em processo.

Os cortes da montagem são baseados neste aprendizado em ascensão. A cada corte (intervalos que não vimos no filme anterior devido ao plano único) percebe-se uma familiarização cada vez maior com os espaços. Passeamos pelo hall do hotel, subimos no elevador, atrapalhamos a entrada, entramos nos quartos, nos detemos nos corredores... O tateamento experimental do mundo desemboca em auto-conhecimento. O olhar poroso permite a acumulação deste conhecimento emanado pela matéria e, com isso, consegue formar um corpo cada vez mais complexo.

No último andar de nossa ascensão acontece a última materialização do corpo que se sedimenta. Os afetos germinam frutos. A criança que apenas olhava silenciosa agora pode andar! O mundo sob seus pés é tempo afetivo se concretizando em espaço. E nesse passo gigantesco na constituição do sujeito nasce também o perigo: morrer é uma questão. Nesse momento podemos compreender bem a imagem do anjo da História de Walter Benjamin que é arremesado pela tempestade do progresso em direção ao futuro, enquanto que diante dos seus olhos o passado se amontoa em ruínas até o céu. Os planos longuíssimos nos corredores do hotel, agora em retrospectiva, denotam uma ruína em processo, um clima decadente. A sensação de morte sentida no último andar, ressignifica todas as imagens que vimos até então, pois nos mostra a situação em que aquelas figuras históricas e passageiras se encontravam. A morte em processo, seja nas rugas ou nos corredores vazios. Então a consciência e o corpo dos quais acompanhamos o nascimento, se vê rodeada por ruínas e compreende que também é parte delas. Por isso caminhamos cautelosos em direção ao exit. A janela. A saída. O êxito. Não é tão fácil se jogar neste mundo fraturado pelo tempo. Após algumas tentativas, finalmente em uma manhã tomamos o impulso para nos lançarmos janela afora.

O corte mais uma vez denota passagem e aprendizado. Está decidido, estamos fora, respiramos o ar frio. O olhar percorre as novas imagens com atenção e deslumbre. Nova descoberta sublime: o mundo é maior do que se pensava. Agora que sabe andar, nada parece impossível, a matéria é sua ferramenta. A criança olha para o céu. Mas o céu que parece ser o final do filme, imprimindo a ideia de dissolução no cosmos, na verdade é o espaço para a constituição de um pássaro. Se foi possível andar, é possível voar. Retornamos o olhar à terra. Voamos. O mundo parece regido por leis completamente assimiláveis a esta percepção que de início nem tinha pernas. Ascendemos. Flutuamos sobre o mundo, sobre o portal dos afetos.

Ao seu término, Hotel Monterey nos mostra graciosamente a educação sentimental de uma percepção que se crê neutra, transformando-se em um corpo-perceptivo que absorve da matéria a consciência de si, com isso podendo se relacionar afetivamente com o resto de um mundo em ruínas, sem esquecer que delas retirou sua hóspede sabedoria.

para baixar:
http://up.tl/info/e3462013d8/Hotel.Monterey.1972.DVDRip.XviD-AEN.html