19.2.10

lembrete:

Antonioni rasgando o pó do capitalismo. Se adiantou e filmou a Bolsa de Valores, talvez não tenha mais sentido filmá-la aqui e agora, mas vamos ver o andamento das coisas, ainda que duvide de alguma evolução entre 1962 e 2010, no sentido estrito de evoluir. Mas não foi só essa decepção boa em ver planos já filmados, mas a impressionante construção do espaço-ao-redor das pessoas, que já começa com o vento (o ar em movimento, como dizíamos na escola) na cara da Vitti, uma tatibilidade que nunca vi além de Faces, mas dessa vez mais pela física das coisas, do que pelo amor que elas emanam. E esse redor na sequência final é um troço assombroso, de repente não há mais personagens - ainda que haja pessoas - e o que sobram são as sobras espaciais, que na verdade são em sentido inverso, pois as sobras são as personagens, ou nós, ou Antonioni, rodeados daquele vento, daquela gritaria da Bolsa, daquele fracasso em todas as ações. Engraçado, não é metafísico, ao contrário, e faz isso de um jeito tão bonito que é de chorar, um choro muito mais... físico, do que qualquer choro clássico de plot que todas as histórias de casais no cinema irão poder fazer. Talvez esse anti-espetáculo seja apenas outra forma de espetáculo, que não nega o outro, mas afirma um infinitamente superior, que chega a ser constrangedor compará-los, restando apenas rebaixá-lo como louco e chato.

O vazio é vazio, mas está pelo cheio, pra quando vier, pra quando sobrar. Como podemos ser tão ingênuos em confiar em nossos olhos quando E=mc² está aí há bastante tempo e toda essa energia que sentimos ao nosso redor, esse amor imenso? Abaixo dessas frequências existem outras e outras e acima idem. Como duvidar do invisível? Como não duvidar do visível?

Personagens ainda podem existir. Olhar relativo.

Uma cócega.


sobre O eclipse, 1962