29.5.11

Palavra do dia: Faulkner.
Algo sempre nos permeia. E nossa reação ao nos depararmos com esse algo é fundamental para o belo no homem. É aquele estalo que todo aprendizado provoca, como uma fratura no osso que nos ensina pelo seu estalo característico. E é isso que se lê, ao menos no Palmeiras selvagens e O som e a fúria: o aprendizado do abismo. Isso ressoa como "arte" (a arte nos faz tocar o abismo).

[...] o guarda e o preso tateando pela estrada afora com as pás de cabeça para baixo, o segundo guarda ao volante, os vinte e dois condenados espremidos como sardinhas na caçamba do caminhão e argolados pelos tornozelos ao próprio veículo. Cruzaram outra ponte - dois delicados e paradoxais trilhos de ferro emergindo oblíquos da água, viajando paralelo a ela por certa distância, para logo submergirem novamente, com um quê espantoso, quase significativo embora aparentemente sem razão, como alguma coisa num sonho não de todo pesadelo. O caminhão se arrastou adiante. [...]

[...] Então o condenado mais alto tomou consciência de outro som. Ele não começou a ouvi-lo de uma hora para outra, ele de repente sentiu que o vinha ouvindo o tempo todo, um som tão além de toda a sua experiência e de seus poderes de assimilação que até este momento não fora capaz de percebê-lo, assim como uma formiga ou uma pulga não perceberiam o som da avalancha na qual deslizassem [...]

trechos de "O velho", uma das partes de Palmeiras selvagens, 1939.

Outra coisa: um livro presenteado faz dois anos de idade na estante faz pensar que um mundo inteiro desmoronaria ou se ergueria de forma completamente distinta dependendo daquele que resolve lê-lo na época errada, como quando se come um fruto verde, continua-se não sabendo o que é comê-lo em seu melhor sabor, com sensações mais propícias a uma explosão. O amor é um transe.

Livro melífluo.

26.5.11


Às fábulas!:
... quando eles já não conseguiam mesmo mover os gatilhos, 
como se a beleza de um poema fosse tão paralisante 
quanto a maior das emboscadas...

HELENA
How happy some o'er other some can be!
Through Athens I am thought as fair as she.
But what of that? Demetrius thinks not so;
He will not know what all but he do know:
And as he errs, doting on Hermia's eyes,
So I, admiring of his qualities:
Things base and vile, folding no quantity,
Love can transpose to form and dignity:
Love looks not with the eyes, but with the mind;
And therefore is wing'd Cupid painted blind:
Nor hath Love's mind of any judgement taste;
Wings and no eyes figure unheedy haste:
And therefore is Love said to be a child, 
Because in choice he is so oft beguiled. 
As waggish boys in game themselves forswear, 
So the boy Love is perjured every where: 
For ere Demetrius look'd on Hermia's eyne, 
He hail'd down oaths that he was only mine; 
And when this hail some heat from Hermia felt, 
So he dissolved, and showers of oaths did melt. 
I will go tell him of fair Hermia's flight: 
Then to the wood will he to-morrow night 
Pursue her; and for this intelligence 
If I have thanks, it is a dear expense: 
But herein mean I to enrich my pain, 
To have his sight thither and back again.

[Exit]

final da primeira cena de Sonho de uma noite de verão
Shakespeare, 1595

21.5.11









Busco a fuga dessa espécie de "realismo" das imagens?
Busco evitar a produção destas imagens inibidoras da imaginação, da fabulação, do pensamento, por serem tão "reais" que acreditamos que não há nada para além delas? Para abaixo delas? Para acima delas? Fugir das imagens absolutas? Reagir contra as imagens tautológicas?

Às fábulas! À poesia! Ao dormir!

Fechar os olhos para ver melhor. Rebeldia corporal.

O potente do neutro está na capacidade de reorganizar o corpo para se afetar de maneira adequada.
O neutro limpa a ideia fatalista das imagens ocas que "representam" o "real" dizendo que assim é e sempre será. Politicamente é preciso dormir para deixar que se esvazie de nosso corpo todo o lixo acumulado, para que nós possamos amar novamente, criar novamente, sonhar novamente. Seguir hoje por um código que se diz realista é o maior dos perigos. Acreditamos demais, criamos de menos. Nos ensinam a falar a verdade ao invés de inventar. Nos ensinam um mundo, não infinitos mundos. 

A literatura segue com grande imaginação justamente por não poder mostrar imagens, é preciso imaginar. No vídeo e cinema a questão é inversa (mas jamais "inversamente proporcional"), pois faltam universos para além do que é mostrado (e os grandes filmes são apenas isso, aqueles que criam imagens para além das que ele próprio exibe).

Busco o amor, sempre e sempre, cegamente? 


15.5.11





(...) a largarem o ninho de respeitabilidade em direção ao espaço desconhecido e desencorajador onde não há terra à vista (...) e isto sem terror ou alarme e logo não inferindo coragem nem força: apenas uma total e completa fé em asas vaporosas, frágeis e jamais testadas (...)
Palmeiras selvagens, William Faulkner, 1939


12.5.11


O desvio é a mutação da sensibilidade.
O desvio é a redistribuição dos afetos.


7.5.11

Era uma vez, 
no reino das necessidades não-formuladas,
onde algumas criaturas dormiam...


5.5.11


Palavra do dia: fábula.

Whereas the highly rational societies of the Renaissance felt the need to create utopias, we of our times must create fables. (Alÿs)

fá.bu.la
sf (lat fabula) 1. Pequena narrativa em que se aproveita a ficção alegórica para sugerir uma verdade ou reflexão de ordem moral, com intervenção de pessoas, animais e até entidades inanimadas. 2. Narração imaginária, ficção artificiosa. 3. Narrativa ou conjunto de narrativas de ideação mitológica; mito. (Michaelis)

Talvez não haja forma melhor de desviar a moral vigente.
Na zona neutra haveria animais e pedras falantes?
Será que falta esse lado bobo?

4.5.11








Pra não abrir o portão que já é velho colocamos um apoio. Um backup. Debaixo nascem flores roxas. Um apoio. Unindo as pontas da lata há outro apoio para as mãos puxarem. E ao lado minha casa ilumina o quintal com sua sombra, apoiando a foto com uma espécie de moldura inacabada. De onde vêm tantos apoios?



1.5.11



Palavra do dia: zona.
Território (sem posse) onde algo se passa.
Mas não se sabe bem suas fronteiras, apenas quando o que se passa delimita algumas evidências recorrentes. Como quando você me beija o pescoço algo ocorre e uma zona nasce (ou se revela) pelos efeitos. Como quando a música atinge meus pés e meus pés atingem o chão e ali um território brota como num ritual no qual se delimitam as partes (tal coisa para o divino, o divino para nós, etc).
Ao que parece já há uma indeterminação ao dizermos zona, talvez venha daí o sentido de isso aqui está uma zona, fora de ordem para os sentidos, inapreensível.

O que resta de interessante é fixar um olhar atento às evidências recorrentes que revelam a zona, no arrepio. 

Para o terceiro vídeo, então, o problema: o que e como seria entrar na zona de indiferenciação? na zona neutra?