24.12.07

Camomila


Pimbol. Correio eletrônico. Dingou béu. A pequena mosca não achara nenhum verbo ali, nenhum verbo-verbo que fosse útil pra conjugar durante o vôo até o ponto de ônibus. Olhou pra xícara onde descansava, com seus milhares de olhos que viam milhares de gotas, a última gota de chá de camomila. Não, não, camomila não é verbo, pensou. Power da televisão não tinha tradução, mas talvez por ela ser uma mosca, não necessariamente que não existisse uma língua capaz de traduzir tal palavra. Tais mil palavras pra ela.

Gostava muito de Marilyn, a olhava por bons bocados de horas. Um grande cartaz que a fazia esquecer da(s) gota(s) de chá de camomila ou o que quer que fosse. É uma linda e sexy mosca, pensava. Marilyn. Mosca. Monroe.
Aproximou-se a garçonete, o chá estava frio há muito. Ela distraída quase tomou um tapa da grande humana desencantada. Conseguiu voar sem tirar seu olhar milenar de Marilyn. Esquecera até mesmo do vidro que separava fora de dentro. BZZZZZZZZZZzzzzzzzzzzzzzz. Tum. Bateu no vidro e desmaiou.
A família da mosca já era crente de que ela era uma drogada. Camomila ou o que quer que fosse, pensavam com os milhares de olhares perdidos.


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13.12.07

A esquina das massas

Acho que se o jazz fosse uma comida ele seria um macarrão vivo. Espaguete metrô. Aí com o tempo ele vai saindo do prato, se estendendo pro resto da mesa. O molho é denso, contra-baixo pesadão que faz flutuar os cantores carne moída que se entrelaçam nos fios e pulam pela mesa no maior estilo bebop.
jazz jazz jazz
Vai passando o tempo e vai ficando frio lá fora do prato. Os fios de espaguete vão desacelerando de volta ao prato com todo o bom gosto do finalle. Metrô macarrônico na hora do rush, toda melodia voltando pra casa. O molho esparramado pela mesa vai borbulhando numa bateria sutil e vermelho-tomate, conduzindo os cantores carne moída para o fim da jam session pratesca.
jazz jazz jazz
Todo mundo lá de cima vai diminuindo, tum du dum, diminuindo e indo pro, inda pra, indo virar carboidrato cerebral, na mera sinapse macarrônica dos italianos negros e bochechudos. É o jazz virando a esquina das massas.

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17.11.07

Onde não ir quando não se tem o que fazer

Esses dias fui ver uma corrida ideológica. Tinha um bocado de gente, muita gente estranha na largada. Tinha uma fita bem frágil que ninguém podia ultrapassar antes do tiro da largada e como tinha um bocado de gente que se empurrava, os estranhos da frente se botavam na ponta dos pés quase sufocados pela fita.

Todos ali pareciam competitivos, mas já mostravam uma pré-decepção de uma possível derrota e por isso mesmo todos já estavam demasiadamente raivosos e cansados do porque perderiam. Depois que fui comprar sorvete e voltei, percebi que a partir dos concorrentes do meio espalhava-se uma onda invisível de reflexão introspectiva para todo o resto dos corredores que cheirava como fumaça. Aí percebi que os caras que entregam copos d'água no percurso já iam percebendo sua inutilidade e seguiam para a barraca do sorvete onde, aliás, voltei para repetir minha última peripécia.

Quando voltei correndo para ver a largada faltando alguns segundos no enorme relógio oficial, ouvi o tiro. BANG. Fui atingido pelo susto e o sorvete caiu. Assim que borrou meu pé, olhei pros corredores e ninguém havia saído do lugar e a platéia tossia com a névoa de pensamentos.

Ao voltar pra casa com o pé sujo de morango, minha mãe me perguntou. Um tiro no pé.

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3.11.07

Tr-Tr-Tr-Tr-Tr-Tr-ânsito




Ele havia aprendido com o avô sobre os carros, então estar ancorado no meio da rua com o motor apagado não era motivo para chateação. Abriu o capô e logo viu que era a bateria. Por alguns segundos pensou nela, nelas. Ela se auto-recarregava, bastava usá-la e jamais terminaria. Isso era o amor, pensou com os fios na mão e o paletó do avô no ombro.

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1.7.07

Subdesenvolvimento, milagre e esterilidade


"A deteriorização da conjuntura estimulante dos inícios de sessenta fez com que o público intelectual que corresponde hoje ao daquele tempo se encontre órfão de cinema brasileiro e voltado inteiramente para o estrangeiro onde julga às vezes descobrir alimento para sua inconfidência cultural. Na realidade ele encontra apenas uma compensação falaciosa, uma diversão que o impede de assumir a frustração, primeiro passo para ultrapassá-la. Rejeitando sua mediocridade, com a qual possui vínculos profundos, em favor de uma qualidade importada das metrópoles com as quais tem pouco a ver, esse público exala uma passividade que é a própria negação da independência a que aspira. Dar as costas ao cinema brasileiro é uma forma de cansaço diante da problemática do ocupado e indica um dos caminhos de reinstalação na ótica do ocupante. A esterelidade do conforto intelectual e artístico que o filme estrangeiro prodiga faz da parcela de público que nos interessa uma aristocracia do nada, uma entidade em suma muito mais subdesenvolvida do que o cinema brasileiro que desertou. Não há nada a fazer a não ser constatar. Esse setor de espectadores nunca encontrará em seu corpo músculos para sair da passividade, assim como o cinema brasileiro não possui força própria para escapar ao subdesenvolvimento. Ambos dependem da reanimação sem milagre da vida brasileira e se reencontrarão no processo cultural que daí nascerá."

trecho publicado em Argumento, revista mensal de cultura, São Paulo, n°1, outubro de 1973.

Paulo Emílio Salles Gomes.


>Eu que não sei procurar ou discussões relevantes de cinema hoje acontecem periodicamente só que em anos venusianos ?

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17.6.07

File > import





Por incrível que pareça o mundo iria acabar e ninguém iria perceber. Onde estava
o incrível
dom de se importar? Nas
importadoras?





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10.6.07

Lapsos

Dois Pontos

Dois miligramas mudam o trajeto do garoto. Dois metros fora da calçada. Dois anos longe da mãe. Dois segundos de rebelião. Dois pneus sobre seu tronco. Duas batidas: batida chegada e batida despedida.

Tevêvision

- E se acaba a luz?
- Acaba a tv.
- Mas aí vai pra net, né?
- Não, não tem net também.
- E o que tem pra fazer?
- Ser.


Biologia

Às vezes Valentina pensava na genialidade de certas figuras da pintura, escultura e literatura. Ela jamais, até aquele momento decisivo, havia feito algo memorável. Doze minutos depois, Valentina concluiu que seus 15 anos não eram comparáveis aos 80 anos de um velho genial escritor: ela tinha que terminar com Raul e fazer o trabalho de biologia; já o velho genial escritor tinha de morrer e escrever algo genial. Não fazia mais do que a obrigação, pensou.


.r

24.1.07






os quadrinhos não são o máximo?