29.10.09

Ao três de novembro de dois mil e nove






















- Ferreira Gullar
em
Vanguarda e subdesenvolvimento - ensaios sobre a arte
Parte II
1969













(...) O que meus olhos viram foi simultâneo: o que transcreverei, sucessivo, porque a linguagem o é. (...)

Jorge Luis Borges
lembrando
O aleph

24.10.09

(...) Esta etapa da arte política, no Brasil, colocou alguns problemas novos e, de nôvo, alguns problemas velhos. Dêstes, o mais importante foi a volta à radicalização cepeciana, à subestimação dos problemas estéticos e culturais em função da denúncia e da propaganda política, que se verificou não apenas em grupos teatrais universitários mas também em grupos profissionais. O outro problema surgido foi o abandono do sentido didático (brechtiano) do teatro político em favor de uma posição irracionalista, que libera o dinamismo das formas cênicas e às vezes atinge o nível da pura e simples agressão ao público. Esta tendência, como a anterior, decorre de uma visão política da situação brasileira, cujo fundo é o revolucionarismo de classe média. Tais espetáculos são como rituais mágicos em que, por exorcismos, se pretende destruir o inimigo transformado em fantasma ou espírito-do-mal. O êxito dêsses espetáculos, em que se mistura a frustração política à frustração existencial, decorre precisamente da atmosfera mágica exasperada que se cria, e do fato de que, como a realidade exterior é reduzida a mitos e fantasmas, o ritual se cumpre sem deixar restos e o espectador se "realiza"... Esta tendência, importada de Paris e estrumada pela situação política opressiva, é um sinal de um possível retôrno de certos artistas ao caminho da arte-pela-arte. Não é por acaso que os defensores dessa tendência adotaram terminologia idêntica à dos concretistas e desenvolveram a teoria de que o fundamental, no teatro, não é o texto mas o espaço cênico. Noutras palavras - e simplificando - não é o "conteúdo" mas a "forma".
Dentro dêsse mesmo processo de afastamento dos problemas concretos da sociedade se situa o súbito interêsse (já agora esmaecido) de certos círculos intelectuais pela tese da "sociedade unidimensional" de Herbert Marcuse, que oferece argumentos aos que, contrários ao status quo, não compreendem que a transformação qualitativa da sociedade pode exigir longos anos de trabalho e luta obscura. Oscilando entre a ação extremada e o desencanto, essas pessoas são fàcilmente prêsas de teorias como a de Marcuse que, fechando as possibilidades reais de transformação, justificam o abandono da luta ou a exasperação suicida.
Mas essas "vanguardas" trazem em si, embora equivocadamente, a questão do nôvo, e essa é uma questão essencial para os povos subdesenvolvidos e para os artistas dêsses povos. A necessidade de transformação é uma exigência radical para quem vive numa sociedade dominada pela miséria e quando se sabe que essa miséria é produto de estruturas arcaicas. A grosso modo, somos o passado dos países desenvolvidos e êles são o "espelho do nosso futuro". Sua ciência, sua técnica, suas máquinas e mesmo seus hábitos, aparecem-nos como a demonstração objetiva de nosso atraso e de sua superioridade. Por mais que os acusemos e vejamos nessa superioridade o sinal de uma injustiça, não nos iludimos quanto ao fato de que não podemos permanecer como estamos, e estamos "condenados à civilização". Não podemos iludir-nos tampouco tomando as aparências da civilização como civilização, as aparências do desenvolvimento como desenvolvimento, as aparências da cultura como cultura. No entanto somos prêsas fáceis de tais ilusões. Mas por causas complexas. Temos necessidade do nôvo e o nôvo "está feito". O velho é a dominação, sôbre nós, do passado e também do presente, porque o nosso presente é dominado por aquêles mesmos que nos trazem o nôvo. Precisamos da indústria e do know-how, que êles têm, mas com essa indústria e êsse know-how, de que necessitamos para nos libertar, vem a dominação. Assim, o nôvo é, para nós, contraditòriamente, a liberdade e a submissão. Mas isso porque o imperialismo é, ao mesmo tempo, o nôvo e o velho. O nôvo é a ciência, a técnica, as invenções, que são propriedades da humanidade como um todo, mas ainda estão em grande parte nas mãos do imperialismo, que é o velho. Por isso mesmo é que a luta pelo nôvo, no mundo subdesenvolvido, é uma luta antiimperialista. E isso é tanto verdade no campo da economia, como no da arte. A verdadeira vanguarda artística, num país subdesenvolvido, é aquela que, buscando o nôvo, busca a libertação do homem, a partir de sua situação concreta, internacional e nacional. (...)

- Ferreira Gullar
em
Vanguarda e subdesenvolvimento - ensaios sobre a arte

1969

20.10.09


lembrete estético: nunca baixar a cabeça.
nem para a memória
nem para a experiência
nem para o que ainda não existe

.r

10.10.09

lembrete climático.
A passagem é algo realmente fascinante. O poder dos múltiplos, multidão, a coragem do não-lastro e o medo que decorre disso. É fascinante ver as figuras morrerem e daí tirarem sua vitalidade: não há como ser triste, não há como ser feliz, só há e há. A. Talvez. Flanar no conceito, tic tac, dando voltas completas em círculos intermináveis. Olhar também a Akerman com cuidado.

Talvez preto e branco. Sim, talvez preto e branco para poder sumir com tudo na sombra sem precisar justificar as cores morrendo. Luz e não-luz, isso deve bastar. Sim, preto e branco é uma possibilidade.

Ela diz em algum momento que posando sente como se estivesse dormindo. De onde vem o sono? Ele está em quem? Nos escultores? Sim, o sono é luz e não-luz, as cores são outra coisa.

Primeira metade incrível, os cafés explodindo em fábulas.

.r

4.10.09


Lembrete visual: Ofélia me toca. Por quê?
: Pinturas do real. Como?

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