14.7.12



Les rendez-vous d’Anna (1978), Chantal Akerman

Uma belezura a cena da cama. Aquela calmaria que só a noite nos autoriza acessar. Canção de ninar, mas de um jeito bastante desviado, nem por isso escandaloso. A fala de Anna nos joga tão longe daquele pequeno cômodo quanto perto da rigidez da mãe que ouve e se espanta daquele jeito que só as mães sabem se espantar. Quando pensamos "secura" na verdade pensamos "paridade", igualdade de distância em relação ao objeto. A Chantal não parece saber mais do objeto do que nós, não há aquela violência orgulhosa que exibe o objeto como espólio, como um animal abatido. E ao que parece é um filme bastante "biográfico", o que torna essa distância ainda mais difícil de sustentar. Pra isso é preciso um método duríssimo, pra que se possa superá-lo com dificuldade. Bresson ê ô.

É também a cena com mais sombras do filme, junto a algumas escuridões chorosas nos táxis e trens. A cama é de fato um lugar de extrema importância, poderíamos pensar que todo o resto deriva à sua volta; nos lança no mundo e aguarda nossa volta. É o espaço alegórico não-natural por excelência. Talvez não devêssemos perguntar quantos quartos há em Akerman, mas quantas camas: se o quarto é o coração do seu cinema, a cama é o coração do coração. Vocês estão todos tão cansados –– e tudo porque não concentraram todos os seus pensamentos num plano totalmente simples mas absolutamente grandioso (WB). Quão cansadas parecem as pessoas ali, ao fim da viagem de trem respiramos fundo, ufa. Novamente o tempo: é no cinema que se pode fazer isso, a duração é fundamental, por isso o cinema não é abandonável, ele vez ou outra nos lembra que o tempo é também nossa construção, o que fazemos dele e como o deixamos fluir.

Exagerando um pouco mais: o quarto é o espaço mor do indivíduo isolado; a cama é onde ele agarra e sustenta todo o preço que teve de pagar pela modernidade. Um exagero, mas não importa, estou montando uma forma. Conferir Viagem à roda do meu quarto, Xavier de Maistre. A cama como espaço de reflexão.



9.7.12



Não havia pensado nisso antes, mas agora parece haver uma ligação forte com o ruído e as sombras dos filmes do Pedro Costa. O jogo de luz e sombra (Low life tem como saldo um filme em preto e branco) é uma maneira de dar visibilidade às oposições e suas variações, especialmente sonoras. Ne change rien é um exemplo nesse sentido, prezando o som direto assim como as sombras diretas. Como se usa a escuridão em Low life? Ela vai no sentido de tornar visível a oposição ou afunda os corpos num pântano? Me vem à cabeça WB e a imagem da criança que deixa o livro coberta pela neve da leitura. Talvez aqui a neve dê lugar às sombras: levantamos e as sacudimos; mas é preciso notar também que os cristais de neve derretem no sol, enquanto que as sombras se acirram ao fugir dele.

E talvez a temporalidade que decorra desse espaço sombrio seja a do esgarçamento e da ruptura, pois poucas vezes nos deparamos com a escuridão e a vigília simultâneos: surge a hipótese de que a escuridão dure para sempre. No escuro o tempo se torna visível porque o vemos correr organicamente, sem ser ofuscado pela Cultura. Os Straub disseram certa vez: Sua namorada é bela por todos os lados, mas você só pode olhá-la de um. Daí o fascínio por blecautes e incêndios: quando nos parece que a mudança é realmente possível. Então filmar a escuridão tem um princípio ético muito próprio: é aqui que nasce outro ângulo, portanto é aqui que precisamos registrar. Ruína.

Se um dia eu precisar fazer um filme, uma trama: acabou a luz na cidade. As relações de classe decorrerão daí, como no conto de Mário de Andrade, O ladrão.



8.7.12


Vê como nasce para ti o tempo, e verás como nasce tudo. (Fichte)