Braços pesadíssimos envoltos em um manto de açúcar, umidade com cheiro doce soca estupidamente os sentidos. Estaria ali há ...não sabia, então não se perguntava. Estava imersa em forma branca e arenosa, cada vez que se movia ouvia-se a extensão dos infinitos grãos baterem entre si, causando um efeito em cadeia que parava nas paredes do pote. Desconfiava que não se moveria muito mais vezes, então não sentiria mais o eco que as paredes do plástico duro faziam voltar através de grãos muito obedientes.
Com o tempo acostumou-se com sua doce prisão, sabendo aproveitar-se dos ecos para calcular a distância em que estava da grande tampa que suspeitava ser laranja, sim, talvez laranja, mesmo que já tenham se passadas algumas horas de seu infeliz descuido selvagem, sua memória a fazia acreditar ser uma lisa e redonda tampa laranja que a tenha atraído até ali. Em casa ainda deviam estar imaginando alguma trilha desfeita ou um imprevisto qualquer, então ainda não se preocupava com o que viria acarretar sua morte. Surpreendeu-se pois era a primeira vez em que pensava na morte de modo tão patético, como um fim de festa em que os pecados se dissolvem. Talvez fosse a melhor morte que poderiam lhe dar, alguma espécie de santidade generosa que escolhia as mais trabalhadoras formigas e lhe entregavam um imenso pote de açúcar como túmulo heróico em que um dia transcenderia numa xícara de chá que lavaria seu corpo grandioso, e todo pó arenoso se dissolveria enquanto sua alma boiaria triunfante nos contos de seu Reino.
Sua consciência bamboleava com o odor que vinha de todos os lados arranhando seu corpo, comera um punhado de grãos que a lembravam que seu caminho até ali havia valido a pena, era sua energia vital. Antes de partir se escusou para apresentar-se a quem porventura viesse encontrar dali em frente: com toda Sua licença, permita-me apresentar: nascido no Formigueiro de Braczyl chego a este pote abençoado como ato final de meu trabalho em vida, que deste corpo forte nasça alguma espécie de vida, pois chego a seu Reino sem saber-Lhe o nome ou endereço, prazer, espero que saiba meu nome.
E saiu do pote sem sair.
.r
2 comentários:
Sabe quando a gente acorda e se pergunta se irá um dia plantar uma árvore e escrever um livro?
Não sei se Deus existe.
Quem te deu esse dom?
"um fim de festa onde os pecados se dissolvem"
acho que pior do que isso é só um fim de festa onde se dissolvem as intenções de pecados não alcançados.
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