31.7.08

XXXXXXXXXX

Um poema alegre e transvestido, rasurando a contracapa do livro de História que só sabia XXXXX omitir. Riscou também o autor e colocou ao lado da tinta preta "Manuel Bandeira", agora historiador. O que havia de ser de seu ensino que jamais XXXXXX arriscava tocar os corações? Não aceitaremos nada rasurado, estava escrito em linhas transparentes que eram lidas sem parar. Rasura e tanto, afundou o papel. Lá na lousa falavam sobre o Sol, mas o que importa sua distância se não a fantástica idéia de que ele seria apenas um laser divino apontado para nossos olhos?

Carinho triste

A tua boca ingênua e triste
E voluptuosa, que eu saberia fazer
Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegrias,
A tua boca ingênua e triste
É dele quando ele bem quer.

Os teus seios miraculosos,
Que amamentaram sem perder
O precário frescor da pubescência,
Teus seios, que são como os seios intactos das virgens,
São dele quando ele bem quer.

O teu claro ventre,
Onde como no ventre da terra ouço bater
O mistério de novas vidas e de novos pensamentos,
Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha de mar e céu ao pôr-do-sol,
É dele quando ele bem quer.

Só não é dele a tua tristeza.
Tristeza dos que perderam o gosto de viver.
Dos que a vida traiu impiedosamente.
Tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(A minha tristeza também!...)
Só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga!
Porque ele não a quer.

Ensinavam a ignorar os próprios narizes. O que há de ser de um povo que não cheira? 149.597.871 km, era essa a distância (média) entre suas próprias rasuras.


.r

* "Carinho triste", Manuel Bandeira, Poesias (O ritmo dissoluto), 1924.

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