27.3.08

Seguidor

Era feito de uma espécie de couro argentino, do tipo de coisa que ele não saberia descrever, mas que nacionalmente se resolvia por força de expressão. As pequenas poças de água que não era bem água sujavam seu tênis tangolar. Era noite, sim, era noite, não por força de expressão ou do clichê, mas ele simplesmente havia comido bolo demais e perdido o ônibus do limiar da paciência. Andava e andava com silêncio de couro argentino soando como animais em seus pés cheios de esgoto-lama. Pensava nas ruas de Londres, mas via a toda hora as placas das ruas-heróis-brasileiros a cada quarteirão esquartejado por seus tênis de gado já esquartejado e argentino. Seus animais de calcanhares de repente ouviram algo sinfonia londrina a vinte e cinco metros a frente. Era um sobretudo que andava vestido de mulher, uma bela mulher, por força de expressão, que caminhava a passos de calçada tranqüila. A presença de passos desconexos quebrara a rua ideal, ela preocupada se preocupa. Havia muito assalto-assassinato e não era mole não. Apertando o passo, ele se sente culpado pelo medo que causara e aumenta a velocidade de seus passos. Ultrapassá-la, vamos pares tangolares. Não quero causar mal algum. O sobretudo aumenta uma lata de lixo de diferença, o passo aperta, o medo também.. Sinfonia desconexa, calçadas maltratadas. Não, não, o medo aumentou, não era a intenção, preciso ultrapassar, vamos, vamos, maldito couro argentino, malditos adjetivos sem sentido. Não há mal nenhum, só comi bolo demais, dois pedaços a mais e o relógio voou. Culpa, ah, não, quanta culpa desnecessária sem ônibus. O medo dela é um tango pra mim. Não conseguirei ultrapassá-la, então vá. Vá mais um quarteirão que eu espero aqui, espero o ônibus imaginário, sem cobranças além dos dois e trinta sacanas. Vá sem medo que não te sigo mais.

.r

4 comentários:

Jacque disse...

Vá pela sombra, é o que eu sempre digo.
Mas a mãe da Chapéuzinho, não.

Jacque disse...

Quase olhei tangolar no dicionário. Assim não dá.

Anônimo disse...

Demais, Rafa, demais! E eu também não sei o que é tangolar, vou procurar... =D

A. disse...

sempre que visito teu blog me pergunto quais os limites entre o biográfico e o literário das coisas aqui postadas. me é um mistério.